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Analu era baixinha, corpo de falsa magra, cintura fina e quadril largo, e muito afrontosa; é bom reforçar. Era o sonho de consumo de metade dos homens daquele lugar, mas ela só tinha olhos para o único que a tratava como ela merecia, Miguel, que era o oposto dos homens que a queriam... Sim, Analu sempre ia contra tudo que era dito como padrão e eu a amava tanto por isso, ainda mais porque ela era a melhor pessoa para me ajudar no quesito Tadeu.

Cheguei buzinando em frente à casa dela e segundos depois ela abriu a porta amarrando o cabelo com um laço.

— Tá pronta?

Primeiro ela revirou os olhos: — Nasci pronta! Vamos, Mi! — gritou olhando para dentro. Estranhei porque não sabia que o Miguel iria junto.

— Uai, Miguel vai junto?

— Dona Lore, que é mãe do Jacaré, que trabalha com meu pai, é amiga da mãe do Juninho e da do Tadeu. A mãe do Junior é caseira lá na fazenda do Tadeu e só me toquei depois conversando com o Jacaré e fazendo as conexões. — Respondeu Miguel, me deixando confuso com tanta ligação entre pessoas. Mas se me ajudaria, tava no lucro. Dei de ombros.

— Já falei com o Juninho e tão esperando. Menos o Tadeu, ele não sabe. E a gente vai no meu carro, tá? Guarda essa coisa velha ali no quintal da Lu.

— Teu macho sabe que eu vou arrancar a bolinha atrofiada dele se ele falar mal da Ramona, né? — reclamei indo guardar minha moto no quintal da minha amiga que não deu atenção para minha ameaça.

Miguel era bem gatinho, tinha o sorriso sempre fácil, gostava de roupas largas e era bem fortinho, usava óculos quadrados grandes e os cabelos sempre raspados. O carro dele era uma Ranger, dessas enormes e que dão medo à primeira vista, o que era engraçado porque eu o achava meio nerd para usar carro de fazendeiros; se bem que ele era um. Ajudava a administrar a fazenda do pai, logo...

— Fica muito longe? Só por curiosidade — perguntei me inclinando sobre os bancos da frente enquanto ele virava uma esquina.

— Conhece as terras do Zé de Tola? Praqueles lados. Um pouco mais pra dentro.

— Longinho, né? Ainda bem que trouxe salgadinhos — Analu falou já abrindo sua bolsa e tirando pacotes de salgadinhos no qual era viciada. Miguel e eu rimos. Tudo para ela era motivo de comer um desses; ou mais de um.

Miguel colocou um som qualquer no carro e fomos conversando sobre os meus planos que envolviam troca de favores e ganhos múltiplos de todos os envolvidos. Claro que eu sairia ganhando mais, já que eu que estava armando todo o esquema. Ainda sobre favores, captei no ar alguma coisa sobre portas dos fundos que Analu devia para Miguel. Achei tudo, ainda mais que anos atrás eu tinha ensinado a minha amiga como fazer a chuca...

Demorou um monte mesmo para chegar lá e quando finalmente chegamos demos de cara uma porteira quase que fechada pela vegetação local, como se a passagem não fosse nunca usada. Achei isso muito estranho.

— Já assistiu O Massacre da Serra Elétrica, né Marcinho? — Analu perguntou olhando em volta. Dei um tabefe na cabeça dela fazendo Miguel rir enquanto começava a buzinar. Dei um pulo do meu banco e fiquei desesperado. Todo mundo sabe que não pode fazer barulho nos filmes de terror porque aí o assassino vem para cima para te matar com a serra elétrica. Eu era muito jovem e bonito para morrer de um jeito tão grotesco, todo fatiado; sangue para todo lado... ew!

Aí foi quando um senhorzinho todo carcomido apareceu e acenou para o Miguel, que retribuiu o cumprimento.

— Tem que descer, seu menino. Dá pra entrar com carro não. — O homem falou.

— Tem certeza? — cochichei. Analu revirou os olhos e abriu a porta do carona saindo logo em seguida. Miguel apertou a mão do homem e Analu fez o mesmo, tive que imitá-los, né? Observei ao redor e apesar da vegetação ser um pouco fechada o lugar era muito lindo. Eu adoraria explorar mais.

— Por que tá tão abandonado aqui? — perguntei triste e Analu me deu um cutucão, mas o homem apenas sorriu.

— É só aqui na frente, moço. O patrão gosta de deixar assim pra espantar visita, sabe?

Miguel riu e eu só pude acenar demonstrando ter entendido. Era bem uma indireta mesmo. Mas aquele cenário iria mudar, Tadeu querendo ou não!

— Maria tá esperando vocês lá na nossa casa, o Junin tá lá também. Pode vir, gente. Faz cerimônia não.

Ele deu espaço e nós entramos pela porteira. Eu fui o primeiro. Sou assim, me deu abertura é vapo! Lá dentro, naquele terreno, ao contrário da parte de fora, era mais bonito e bem cuidado. Logo de cara a gente dava de frente com um casarão branco bonito com varanda em toda volta. Devia ser a casa do Tadeu. Mais ao lado e um pouco para trás, que foi para onde fomos, ficava uma casa menor bem simpática que era onde morava o caseiro e sua família.

O Júnior estava lá na porta com a mãe dele e chegamos cumprimentando. Eu gostava do Júnior, apesar de ele ser um clássico heterotop do interior de SP, bem do jeito que eu tinha me vestido mais cedo.

— Então o Marcinho vai ficar frente a frente com a lenda? Não vai sobrar nem o pó desse menino. — Falou olhando para mim. Tive que revirar os olhos.

— Oi, Juninho! Comendo muito terra ainda? — perguntei sorridente e a mãe dele do lado riu. Ele tinha o péssimo costume de comer terra quando era criança e eu fazia questão de lembrar disso toda vez que nos víamos.

— Você sempre vai lembrar disso, né? — Foi a vez dele revirar os olhos.

— Sempre que possível! — sorri e pisquei um olho.

— Então, menino, eu não entendi muito bem o que tu quer com o patrão. É pra ele te treinar? — Dona Maria perguntou colocando a mão na cintura, totalmente cética. Até me desmotivou um pouco, mas só um pouco.

— Pois é, Maria. Ele vai me treinar pro rodeio do ano que vem! — falei confiante e ela negou com a cabeça como se eu fosse louco e talvez eu fosse.

— Quero só ver...

— Ele tá lá no cercado com o cavalo novo, daquele lado. Pode ir lá, seu menino — o pai do Júnior apontou. Respirei fundo e estufei o peito.

— Fiz um bolinho de milho pra vocês. — Maria falou olhando para o Miguel e Analu. Me virei para eles imediatamente.

— Pois eu vou comer é agora que se deixar o Júnior e a Analu come tudo. — Voltei para a porta da casa deles os fazendo rir. Analu me xingou baixinho, Júnior riu. — Além do mais quero morrer de barriga cheia, né?

E lá fomos nós comer o bolo de milho da Maria com o café passado naquela horinha, senti até o cheiro. Também era uma forma de me preparar mentalmente. Como Tadeu reagiria? Talvez quisesse me bater, não sei. Eu nem lembrava como era a cara dele. A última vez que eu tinha o visto eu devia ter uns 16. Ele era bem famosinho na cidade, depois do acidente se entocou na fazenda e suas aparições eram raras... Bom, pagar para ver!

O Grande DesafioWhere stories live. Discover now