— Eu não fodi com ninguém, nem toquei da forma que tá pensando. Não sou idiota! — Ele deu um passo na minha direção. — Tu trepou com o 2K?

A raiva em mim não passou, na verdade ela piorou. Que razão ele tinha pra ficar bravo comigo se ele mesmo tinha tocado em outra?

— Estou falando de antes. — Seus olhos se estreitaram e pude ver os seus punhos se fecharem. — Eu e o 2K não temos nada, não nos tocamos de nenhuma maldita forma! É disso que tô falando, por conta de antes eu vou te dar uma chance. Pelo meu vacilo por conta de bebida, vou te dá uma droga de chance! — Fechei os punhos com mais força. — Mas se tocar em mais alguém... Em qualquer lugar que seja! Vou cortar as suas mãos, depois vou triturara-las e fazer você cheirar!

Seus braços se cruzaram e ele respirou profundamente, como se tentasse controlar a própria raiva.

— Não vai fazer isso, gosta que eu te toque. — Sorri, mas nenhum humor existia.

— Sua língua faz um papel melhor. — Ele sorriu e tentou se aproximar. Balancei a cabeça.

— Fique aí... — Ele parou de vez. — Primeira regra dessa sua nova vida, não vai tocar em mim se tiver drogado. — Fastei o lençol e senti o frio na minha pele quando levantei. Há passos lentos e sem olha-lo, caminhei até a cômoda e puxei uma camiseta branca dele.

Pude sentir o seu cheiro quando a coloquei contra o meu corpo, mas junto do seu perfume forte, lá estava o cheiro doce... Não consegui esconder o sorriso, olhei pra ele e seus olhos assustados estavam grudados em mim.

— Sinto cheiro de loló na camisa. — Apontei o dedo para o baseado. — Tem maconha aqui... Conan deixou claro sobre a cocaína. E o que mais? Crack? — De novo seus olhos foram ao chão antes de me encarar.

— É só pra se divertir. — Bufei.

— É o que todo viciado fala, até não conseguir mais falar.

— Eu vou parar, ok!

— Como? — Gritei e levei a mão ao rosto. — Você produz, PL. Você aprova as remessas, você recebe os pacotes, você distribui! Como vai parar se tudo a sua volta é coberto por droga?!

Seus olhos voltaram ao chão e eu me virei. Não adiantaria brigar com ele naquele estado, o agressivo e possessivo de antes tinha desaparecido, na minha frente tudo que tinha era o noiado confuso. Fui até a janela fechada e a abri, o vento da noite se infiltrou pela abertura e suspirei com a escuridão lá fora. Não consegui conter a pequena paz que aquela imagem me transmitia. Fechei os olhos e respirei fundo, imaginando o quanto fui feliz naquele lugar. 

Foram dois anos ali, os dois anos mais loucos e felizes que já passei. Teve mortes, sim. Confusões, ciúmes, brigas e quase perdi a Tina. Mas nada daquilo conseguia soterrar a minha felicidade. Foi ali que conheci o PL, foi ali que vi a Tina crescer dentro de mim, foi naquele lugar que conheci o amor real de uma família. Ganhei o Juan, o 2K, o meu irmão... a Ritinha. Foi naquele lugar que pode viver de verdade e eu sentia tanta falta daquela felicidade de antes. Sem policia, sem seguir ordens, com a minha família grudada a mim... sem as drogas e todos os problemas com o Rodrigo. Por que a gente só sabe dá valor depois que perde?

— Mandei reconstruí a nossa casa. — Senti as lagrimas surgir e prendi os lábios entre os dentes. — No mesmo lugar, temos mais quartos agora, mas deixei tudo como você gosta. — Meus olhos se abriram para as luzes distantes e sorri.

— Sinto tanta falta daqui, PL. — Senti as lagrimas escorrer. — Consegue lembrar do tempo que a gente era feliz? — Dedos quentes roçaram a minha coluna. — Eu não sei mais o que é isso... não consigo mais sentir.

— Vou te ajudar a sentir outra vez, morena. — Neguei.

— Como? — Senti seu corpo se aproximar do meu e virei o rosto para vê-lo ao meu lado. Os olhos vermelhos e dilatados me entristeceram. — A tua felicidade vem de um pó. De um líquido transparente.

— Tu me faz feliz... — Seu rosto se aproximou e fechei os olhos quando ele se colou ao meu. — Já falei que vou parar, não preciso mais se você esta aqui. — Sua mão quente envolveu minha cintura.

— Eu não vou estar aqui. — Sua respiração profunda me fez abrir os olhos e ele se afastou. — Meu trabalho não terminou, o Rodrigo ainda está solto e o Caveira está na máxima. E nosso filho continua morto.

Sua mão se foi, seu corpo também e tudo que restou foi o vazio com cheiro de maconha. Não olhei enquanto ele se afastava e não pedi que ele voltasse a me garantir a felicidade, apenas encarei as luzes novamente admirando a Rocinha. 

Não visitei muitos lugares na minha infância, e nem pude viajar o mundo depois de adulta. Nova Iorque e Paris, a cidade luz, talvez ganhasse um espaço próprio no meu coração, mas a felicidade momentânea daqueles lugares nunca se comparariam a Rocinha. Eu não nasci ali, não cresci ali e nem passei todos os problemas que as outras pessoas tinha que lidar todos os dias, mas aquele pequeno espaço na cidade maravilhosa, era o meu porto seguro. Era o meu sinônimo de felicidade.

— Não seremos felizes como antes. — A voz do PL me fez voltar pra terra. — Mas posso garantir que vou fazer de tudo pra encontrar algo parecido com aquilo. Nada vai preencher o vazio que a morte do Vinícius provocou, não tem como esconder o buraco enorme no nosso peito, mas...

— Ela morreu... — Sussurrei enquanto encarava as luzes, o PL se calou. — A felicidade de antes... não consigo sentir, é como se eu tivesse morrido naquele dia junto com ela... e com ele. Tudo numa grande bola de neve. Agora vivo na beira do precipício. Não posso parar, todas as missões possíveis eu pego, qualquer novo plano, eu preciso me envolver, não posso pensar, não posso parar de me mover.

Outra lagrima escorreu e eu a enxuguei. Respirei fundo.

— Sabe quanto tempo dormi?

— 12 horas. — Olhei pra trás assustada.

— O que?

— Tu dormiu doze horas direto. — Eu não sabia o que falar.

Era a primeira vez em quase dois anos que eu tinha dormido sem sonhos, que eu tinha realmente dormido.

— Tu me drogou ou algo assim? — Ele sorriu. 

— Eu dormi dez horas, Manuella. — Meus lábios entreabriram e ele sorriu um pouco mais. — Nunca dormi tanto na minha vida, acordei desorientado, achando que realmente tava drogado. E só puxei um beck há uma hora atrás, enquanto te via dormir. — Ele deu de ombros. — Não precisei beber e nem tragar nada, só precisei ter você ao meu lado.

— Tá zoando com a minha cara? — Ele negou ainda sorrindo.

— Creio que teria dormido mais se não fosse pelo teu irmão. — Confusa demais, eu neguei com a cabeça.

— O que tem o Conan?

— Meus homens entraram no quarto, me acordaram porque o teu irmão tentou subir. — Ele suspirou e senti o coração acelerar. — Ninguém quis atirar na cabeça dele, fica de boa. Alguns deles se negaram porque sabe que tu tá de volta, sabe da nossa relação maluca.

— O que ele quer? — Ele fez careta.

— Além da Branquinha querendo me matar do outro lado do telefone? — Estreitei os olhos ainda mais confusa. — Ela acha que te traí e acho que tá bem puta por eu ter arrebentado o narizinho empinado lá. — Cruzei os braços com força. — Ele quer falar sobre o Caveira e como vai ser a partir de agora. Vai tirar ele de lá, não é? — Concordei com a cabeça.

— Preciso de alguns dias, mas não vai demorar. — Me virei outra vez para a janela e apreciei novamente a vista. — Daqui pra frente tudo vai piorar. Assim que o Caveira sair, o Rodrigo vai saber que eu voltei... e tudo vai realmente começar.

O Crime Perfeito - Livro 4Where stories live. Discover now