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Yasmin: cinco semanas depois; vinte e oito de outubro de dois mil e vinte três; madrugada do sábado pro domingo

Escutei um choro de bebê entrando no meu sonho, mas demorei alguns segundos pra entender que era um choro da minha bebê. Abri os olhos devagar, com tanto sono que estava difícil entender onde minha filha está. Ela gritava desesperada, e quando eu a peguei nos braços ela queimava de febre.

"Filha? O que aconteceu, meu amor?" - Perguntei baixo, quase totalmente desperta depois de notar que Sarah está doente. Coloquei ela no peito, e a boca estava pegando fogo de tão quente.

Saí pela casa com ela gritando no meu colo, desesperada que chegava a soluçar e se engasgar com o próprio choro. Coloquei o termômetro nela e assim que apitou, o 38.7 de febre me deixou ainda mais louca de desespero.

Pra piorar a minha situação, hoje uma das amigas da minha mãe fez aniversário numa chácara afastada, lá por Búzios, e eu estou sozinha com a Sarah o fim de semana todo. Pra potencializar a piora: Camila e Arrasca tão se encontrando de novo, e eu tenho certeza que eles não estão no apartamento aqui da frente.

"Papai. Papai." - Sarah chamava no meio do choro. Ela está tão vermelha que parece que todos os vasos do pequeno corpinho estão dilatados, a pele extremamente quente e suada.

"A mamãe tá ligando pro papai." - Respondi procurando meu celular e tentando ao mesmo tempo acalmar ela, me acalmar, e achar o remédio pra febre.

"Papai. Paapaaaaaaiiiiii." - Ela gritou tão desesperada que eu comecei a chorar junto.

A chamada caiu duas vezes e eu já estava quase ligando pro Fabinho quando a foto de Gabriel preencheu a tela. Assim que atendi, fui dizendo: - "A Sarah tá queimando de febre e eu tô indo pro hospital do plano de saúde, você pode ir pra lá?"

"Já tô indo." - Respondeu. A voz baixa e rouca mostrando que ele estava dormindo.

Peguei os documentos, ajeitei nós duas e não sei como, mas consegui dirigir até o hospital mesmo com ela gritando desesperadamente no banco de trás, na cadeirinha. Cheguei direto pela urgência e como ela é um bebê e está chorando muito, logo veio gente pra cima. Não demorou mais cinco minutos, Gabriel entrou pela mesma porta com os olhos arregalados, procurando por ela. Me viu, e veio caminhando rápido até mim.  - "Cadê ela?"

"Levaram lá pra dentro pra medir temperatura, ver peso." - Respondi baixo, sentindo minha voz sumir mais a cada segundo que as lágrimas se concentravam nos meus olhos. Nenhum de nós se sentou, ficamos andando de um lado pra outro na urgência.

"Papai, papai, papa-papai! Papaiiiiiiiii." - Ouvi os gritos e as minhas lágrimas escorreram. Gabriel veio quase correndo pro pé a porta, passando as mãos nos cabelos. - "Ela tá te chamando desde a hora que o choro começou."

Ele não respondeu, só esfregou o rosto e ficou no pé da porta, até ela ser aberta e Sarah sair no colo de uma enfermeira. - "Sarinha? Vem aqui meu amor. Vem aqui, minha vida." - O meu conforto foi ela parar de chorar quando olhou pra Gabriel. Ele fez menção de pegar ela no colo e a nossa filha quase se jogou nos braços dele, que a pegou e abraçou apertado, notei que ele estava chorando em silêncio.

"Vocês são os pais?" - Fiz que sim com a cabeça, enxugando meu rosto. - "Vocês podem entrar com ela ali na sala da pediatra quando chamarem o nome dela no telão." - Agradeci e virei pra olhar pra Sarah, ela já não chorava, mas estava agarrada à roupa de Gabriel. Me aproximei pra passar as mãos nas costinhas dela, minha filha ergueu uma das mãozinhas na minha direção, me puxando pra perto.

"Mamãe." - Encostei minha cabeça nela, consequentemente muito perto de Gabriel que me olhou surpreso.

"Eu não sabia que ela tá falando mamãe." - Comentou baixo.

"Mas o vovó veio antes." - Comentei rindo fraco. Gabriel abriu um sorriso de leve, provavelmente com vontade de zoar com a minha cara. - "E eu acho que ela fala espanhol. Sempre que o Arrasca aparece ela fica imitando."

"Ela é muito inteligente." - Respondeu baixo, beijando a cabecinha dela. - "Quer pegar ela?" - Neguei com a cabeça. Meu instinto materno já sabia que ela queria o papai, porque nada no mundo explicava ela ter parado de chorar depois que ele pegou ela.

"Sarah Nogueira Almeida Barbosa, consultório seis." - A voz robótica ecoou pela sala, assim como a luz piscando no telão. Fomos juntos até a porta, Gabriel abriu e entramos, uma médica novinha nos esperava sorrindo. Ela se apresentou, pediu pra Gabriel colocar Sarah na maca e foi ler a ficha, mas o jeito que ela olhava da minha filha pro tablet onde está o prontuário me assustou.

"Ela apresentou esses sintomas: febre alta, vermelhidão no corpo e no rosto, suor excessivo." - A médica perguntou. Gabriel me olhou pra saber e eu fiz que sim com a cabeça. - "Ela demorou a dormir?"

"Ela não tirou nenhuma das sonecas do dia. E quando veio dormir a noite, não passou uma hora, ela já tava chorando desesperada de novo." - Expliquei e a médica ficou olhando de mim pra Gabriel, depois pra Sarah, que no momento estava entretida em puxar o cordão de prata do pescoço do papai.

"Ela passou por alguma mudança de rotina nos últimos tempos?" - Prendi os lábios, já vi tudo.

"A gente se separou." - Gabriel respondeu, apontando com a cabeça pra mim. Me afastei um pouco, passando as mãos na testa quando falei:

"Ela fica chamando ele. Quando tá brincando, quando tá comendo, quando vê uma camisa do Flamengo. E hoje ela tava chorando e gritando por ele."

Olhei de lado pros dois, a médica deu um sorriso fraco porém gentil quando disse: - "O que a Sarah teve foi uma febre emocional. É um quadro de crise emocional, que pode se apresentar em adultos a depender de alguns fatores e em bebês ou crianças quando acontece algo na rotina delas. Juntando os dados que tenho no prontuário, o que a mamãe acabou de dizer, e o fato de ela estar agarrada com o papai, o diagnóstico da Sarah é esse." - Abaixei a cabeça. Eu sabia. - "Ela sente falta de você, mesmo que você ainda veja ela, a Sarah está acostumada a te ter mais perto."

Quis chorar. Eu quis muito chorar. A médica deu algumas orientações, mas só Gabriel prestou atenção. A minha cabeça estava prestes a explodir.

Fomos pra sala de observação porque ela ainda está em quadro febril, e tinha que receber um medicamento de novo. Já estávamos perto de ir embora quando Gabriel sentou do meu lado e disse: - "Eu sei que você não deve querer muito falar comigo, eu nem te vi desde aquele dia. Sempre que eu vou buscar a Sarah, quem me entrega é a tia ou o Arrasca. Mas..."

Interrompi: - "Mas a gente tem que passar por cima disso e conviver melhor. Ela precisa."

"Era o que eu ia te falar." - Ele respondeu e eu assenti olhando pros meus pés.

Procuro Alguém - GabigolOnde as histórias ganham vida. Descobre agora