A GRANDE CONFUSÃO

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Ser capaz de entender o que estava acontecendo perante meus olhos ultrapassava minhas forças mentais. Eu só sabia ficar perplexa, envergonhada, entorpecida e desesperada perante o arroubo do cara que explodia em profusão de palavras em mandarim. Eu não entendia uma palavra sequer. Ainda mais desesperada comecei a balbuciar curtas frases desconexas num inglês pobre e perdido: who are you? How you doing in my room? Get out, sir! Please, shut up. Essa última frase me levara aos prantos. Como diabos aquilo estava acontecendo comigo? Uma pequena multidão se formara na porta do quarto, pessoas tentavam entender o que estava acontecendo, mas eu não conseguia explicar e nem o meu invasor chinês, pelo que eu podia supor. Humilhada, olhei para a minha carência de roupas e comecei a chorar ainda mais. Talvez isso tenha tocado o coração do idiota invasor, pois ele virara de costas, gesto que interpretei como sendo a deixa para eu me cobrir de alguma forma. Corri para perto do roupão sobre a cama e avistei o telefone. Serviço de quarto. Bingo! Eu não ia esperar até que a confusão se tornasse maior ainda. Teclei e esperei juntando todas as forças que não tinha, expliquei que uma pessoa havia invadido meu quarto. A moça no outro lado da linha não entendia. O chinês invasor percebeu minha astúcia e arrancou o telefone de minhas mãos e berrou em mandarim ou seja lá qual fosse o dialeto, algo que eu era incapaz de entender. Em menos de dois minutos, funcionários do hotel invadiram o quarto para controlar a situação. Felizmente, perceberam que eu não falava a língua deles e o funcionário da recepção foi chamado. O causador de toda a minha humilhação: ele trocara, sem querer, os cartões de acesso, fato que só descobriríamos após muita confusão.

– Precisamos saber o que está acontecendo – Falou uma moça que parecia ser a gerente do hotel.

- Preciso que falem em inglês! Não entendo sua língua – retruquei. E ela repetiu a pergunta em inglês.

- Esse homem invadiu meu quarto!

- Eu não invadi seu quarto! Você invadiu o meu e estava nua, no meu quarto! O que pretendia fazer? Por acaso está louca?

O desgraçado falava um inglês infinitamente mais limpo que o meu. Isso me ultrajara ainda mais. Em nenhum momento do vexame anterior ele tentara conversar comigo nessa língua, guardara sua habilidade para humilhar-me perante os funcionários do hotel.

- Eu não sei do que diabos você está falando! O doido aqui é você. Eu estava no meu quarto me trocando e você o invadiu tal qual um maluco. Como explica meu cartão de acesso?

- E você? Como explica o meu cartão de acesso?

Nesse momento, todos os olhos se voltaram para o pobre recepcionista que parecia ter subitamente entendido ser o motivo de toda a confusão.

- Com licença... – disse numa voz trêmula e sem firmeza – acho que sei o que aconteceu e estou profundamente consternado e envergonhado.

- O que aconteceu? Fale logo! – Disse a gerente impaciente para resolver a contenda que se formara em seu hotel.

- Devo ter entregado dois cartões de acesso ao mesmo quarto. Na hora da entrega, havia muito burburinho e eu estava nervoso fazendo várias coisas ao mesmo tempo. O agente me apressou enquanto eu estava atendendo essa moça e precisei interromper o atendimento para entregar os cartões dele primeiro, nesse meio tempo devo ter pegado os cartões do quarto dela e no lugar de guardar um e entrega-la o outro, acabei entregando ao agente. Me perdoem, não sei como isso foi acontecer.

A gritaria se formara novamente, todos estavam gritando ao mesmo tempo, berrando ao recepcionista em várias línguas diferentes. O próprio chinês decidira dar um basta nisso. Seu agente estava desesperado de raiva e muito vermelho.

- OK! Aconteceu! Como podemos resolver?

A gerente, também muito vermelha de vergonha, se apressara a se desculpar e responder.

- Senhor Wang, mil perdões por essa situação. Estamos desolados com o fato de o senhor ter que passar por isso. Vamos preparar este quarto para o senhor e arranjar outro para acomodar esta senhorita. – Seu olhar para mim era de repreensão, eu não entendia o porquê.

O tal, agora eu sabia, senhor Wang me olhara corar de vergonha dos pés à cabeça. Ele parecia saber o que se passava em minha mente naquele instante.

"Eu seria expulsa depois de ter me instalado no quarto? Mas porquê? O que eu fizera de tão horrível para ser expulsa e transferida após ter sido humilhada e ter o quarto invadido? " Meus olhos começaram a lacrimejar tamanha a humilhação. Não tinha forças para discutir mais, simplesmente aceitara com um meneio de cabeça a sentença dada a mim, inocente. Não entendia o porquê de tanta bajulação ao ponto de enxotar uma hóspede que teve seu quarto invadido. O que me restava era catar minhas coisas espalhadas e seguir aqueles desgraçados até o novo buraco em que eles me jogariam. O hotel que parecera luxuoso e belo agora se assemelhava ao cativeiro de meus antepassamos franceses. Nesse momento, algo aconteceu.

- Espere! – Disse Wang, subitamente – Deixe que ela fique neste quarto. Seus pertences já estão instalados, não quero causar mais confusão.

- Mas o senhor não causou confusão! Não tem culpa – justificou a gerente desesperada para me expulsar.

- E nem essa moça. Ela também não tem culpa e, portanto, não deve ser retirada de seu quarto nessas condições, me arrume outro e eu fico satisfeito por ora.

Esse gesto fez todas as pessoas se admirarem ao ponto de olhos brilharem perante o suposto gesto de "grandeza" do tal Wang.

- Se assim o senhor prefere, posso colocá-lo em outro andar.

- Meu quarto inicial era neste andar?

- Deixe-me verificar – olhou feio para o recepcionista e sacou um aparelho eletrônico no bolso para acessar o sistema do hotel.

Esse olhar revelara que o pobre recepcionista sofreria duras consequências por este erro.

- Sim, agora começo a entender o que causou a confusão – seu quarto é ao lado deste.

- Então esse aqui nem era meu quarto inicial? E Por que ia transferir essa mulher para outro?

A gerente sem jeito não soubera responder e eu estava cada vez mais humilhada trajando aquele maldito roupão com a logo daquele hotel desgraçado. A gerente me olhara agora com expressão envergonhada, certamente para impressionar o tal Wang com seu suposto arrependimento. Era irônico que ele tenha saído em meu favor minutos após gritar histericamente ao invadir meu quarto. Eu não conseguia ver ligação entre esse de agora e o doido de minutos antes.

- Posso fazer mais alguma coisa pela senhora? – Perguntou-me a gerente com voz falsa.

- Não, só quero que vocês saiam daqui. Tenho trabalho em poucas horas e já perdi todo o meu tempo nesta confusão.

Ela me olhou com desdém e convidou todos a se retirarem do quarto, não sem antes dizer: 

- A senhora será recompensada de alguma forma por ter passado por essa situação, em breve entro em contato com a proposta do hotel.

Só consegui balbuciar – hum, obrigada – com sarcasmo na voz. 

A tristeza começava a dar lugar à raiva. Eu precisava ficar sozinha para processar tudo que havia acontecido e ainda me preparar para a apresentação. Porra... A apresentação... Será que eu daria conta? Não estava abalada demais para ter autocontrole para me reunir com um futuro parceiro de negócios? A verdade é que eu não tinha escolha. Estava ali para isso e era isso que eu iria fazer, independente do que havia acontecido. Wang me olhara estranhamente antes de sair de meu quarto e só dissera:

- Me desculpe...

Eu não conseguira responder. Por alguma razão, a voz dele me deixara estranhamente sem ar por alguns segundos e eu pude notar o quanto ele era assustadoramente bonito. Não havia notado sua aparência antes. Mas seus cabelos muito negros davam um ar imponente e principesco. Tive mais raiva. Ele estava usando seu charme para me fazer esquecer que havia agido loucamente. Eu não o perdoaria. Sairia da China com um eterno desafeto. Wang seria eternamente odiado por mim.

Era o que eu supunha...

Meu Eterno MeteoroWhere stories live. Discover now