— Jhenifer… Quando Thomaz escolheu tratar você da forma que nunca tratou Devon… Ele precisou que eu o tratasse como seu pai te trata. Ele precisou que eu te tratasse como seu pai o trata. — Mamãe sorriu tristonha. — Precisamos de um equilíbrio, não acha? 

Mamãe saiu do quarto, me deixando sozinha com sua revelação. No fim das contas, Carina Rizzi estava fazendo de tudo pelos filhos, o que ela não entendia, é que eu trocaria qualquer afeto do papai pelo dela.

Talvez fosse assim com Devon também. 

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Lorenzo e eu nunca discutimos sobre o baile de formatura; pareceu a única opção indo juntos. Tanto porque nossos pais já haviam falado sobre isso, tanto porque não havia ninguém que quisessemos convidar. No mês passado quando um garoto loiro da turma de biologia perguntou se eu já tinha par e Lorenzo respondeu com um curto e grosso “sim” ficamos acordados sem mais conversas que iríamos juntos. Simples assim. Agora, quando eu descia as escadas de braços dados com meu pai, meu coração batia acelerado no peito. Eles assistiriam somente a cerimônia com becas e discursos, eu ficaria sozinha com ele depois. Pela primeira vez na vida, eu não queria ficar sozinha com Lorenzo. Havia raiva e medo dentro de mim. Raiva por ele me chamar de vadia, raiva por eu ter jogado o suco nele… Medo por ele ter erguido a mão na intenção de me bater e depois desistido. Ele não tinha o feito, mas tinha desejado. 

— Você está linda! — Tia Alessia disse com um grande sorriso emocionado. 

— Onde está Lorenzo? — Papai perguntou em sua habitual voz distante. 

— Saiu mais cedo para encontrar alguns amigos antes da cerimônia. — Devon disse com um sorriso ao parar no pé da escada. Vestido com um belíssimo terno de três peças, preto como a noite, ele parecia um homem adulto. Seus cabelos escuros estavam penteados para trás, dando uma perfeita visão de seus olhos azuis idênticos aos meus. Eu abracei meu irmão com mais força do que pretendia. Papai se afastou dando-nos um momento a sós. Suspirei no pescoço de Devon tentando suprimir a vontade de chorar. 

— Eu te amo. — Meu irmão sussurrou em meu ouvido. — Você será a garota mais linda daquele lugar todo. 

Quis por um momento que essa fosse minha preocupação. Lorenzo sequer estava ali. Sequer podia passar tempo perto de mim, quanto mais ir comigo no baile. Eu terminaria sozinha em algum canto enquanto todos dançavam e se divertiam. 

— Vai ser perfeito. — Eu forcei o sorriso mais brilhante que consegui. 

— Vem, vou te levar de carro. — Meu irmão disse tirando uma chave do bolso. — Sou seu chofer hoje a noite. 

Sustentei o sorriso enquanto caminhavamos para a garagem, os adultos garantindo que chegariam em breve. Meu coração estava doendo pela ansiedade, assim como os cortes em minhas pernas. Haviam sido mais profundos dessa vez, talvez até mesmo precisassem de pontos, mas esse era um luxo que não poderia me dar. Tudo doía. 

— Você não está bem. — Devon disse lá pelo meio do caminho. 

— Estou ansiosa. É um dia muito importante. — Eu já tinha preparado aquela resposta porque sabia que meu irmão perceberia. 

— Você pode me contar qualquer coisa. Eu nunca te julgaria. — Ele disse com os olhos fixos em mim mesmo dirigindo. 

— Está tudo bem, sinceramente. Eu só estou muito nervosa. — Suspirei. — Mamãe me deu essa coroa. Gostou? 

— É linda. — Seu sorriso se tornou maior. — Vocês estão conversando tranquilamente? 

Me lembrei das palavras anteriores de Carina. Ela estava tentando ser a melhor mãe que podia… Só não para mim. 

— Ela foi legal. 

Não conversamos mais até chegar ao Colégio. Haviam milhares de carros no estacionamento, todos ansiosos para a colação de grau dos seus filhos e amigos. Devon me ajudou a descer do carro e eu me despedi dele com um sorriso antes de entrar pela porta lateral em busca da minha beca. 

— Jhenifer! — Carly se aproximou com um sorriso. Sem que eu pudesse pensar a respeito, a garota me abraçou apertado. — Feliz formatura. Espero que seu próximo ano seja incrível. 

Meus olhos se encheram de lágrimas e eu mordi os lábios para afasta-las. 

— Obrigada, Carly. — E eu a abracei com mais força. — Desejo o dobro para você. 

Quando ela se afastou, pude ver Lorenzo entrar no salão adjacentes reservado aos formandos. Assim como os outros garotos, ele vestia um smoking preto com camisa social branca e sapatos sociais, mas diferente dos outros garotos, ele era o único que parecia vestir aquela roupa perfeitamente, sem nenhum amassado, com a gravata borboleta presa com esmero no colarinho. Até seu andar era diferente, mais confiante. Carly se aproximou dele e o abraçou também; nem tive forças para sentir ciúme. Tudo estava tão quebrado dentro de mim que uma emoção tão trivial não cabia. Respirei fundo ao desviar os olhos, ajeitando a saia do meu vestido pela décima vez desde que entrei ali. Estava usando saltos mais altos que o habitual, para que a barra do vestido não tocasse tanto o chão, e isso era extremamente desconfortável. Horas no salão de beleza, maquiagem pesadamente desconfortável, vestidos apertados, penteados que demoravam, sapatos dolorosos… Porque eu me forçava a isso? Era só uma casca. Eu sabia que estava bonita por fora, mas isso não mudava que por dentro eu estava destruída. Ajeitei minha postura, deixando a coluna ereta, mais um desconforto. Eu precisava agir como a princesa que todos esperavam; havia uma coroa em meus cabelos, afinal. 

— Eu não sei como essa vadia estúpida vai ser rainha do baile. — Uma garota ao meu lado comentou com sua amiga em um tom venenoso.

— Luca é lindo de morrer e super popular, qualquer uma ao lado dele seria rainha. — A outra revirou os olhos. — Ela não é nada. É menos do que nada. 

Quando a primeira riu, eu me virei para ela. As conhecia da mesa de Luca e elas tinham feito a experiência de sentar com elas durante três dias a pior coisa do meu ensino médio. 

— Nem que você tentasse muito chegaria aos pés de Carly. Além de ser mil vezes mais bonita do que vocês jamais seriam, ela é gentil, amorosa, um ser humano de caráter. Vocês? Vocês são as sujeiras sobre os pés dela e é por isso que Luca a convidou para o baile e é por isso que ela será rainha. Ela é uma mulher de verdade. Vocês que são nada. Vocês que são menos do que nada. 

Quando terminei de falar sem sequer respirar, com o rosto vermelho e sem fôlego, percebi que tinha praticamente gritado as palavras. Olhei ao redor, encontrando os olhos de Lorenzo fixos em mim. Ele parecia surpreso. 

Uma salva de palmas começou. No começo, Lila e Matthew puxaram os aplausos, mas por fim, o salão dos formandos inteiro bateu palmas. Lorenzo sorriu orgulhosamente, a primeira interação que ele tinha comigo em semanas. As duas garotas não disseram nada, saíram de perto com a cabeça abaixada. 

— Jhenifer 1, piranhas 0! — Matthew exclamou felicíssimo. 

— Garotos, sem brigas! — A coordenadora pediu erguendo a mão. — Venham pegar suas becas! 

Quando comecei a andar, tive que fechar os olhos para suprimir o desconforto. O vestido apertado comprimia minhas coxas, apertando o curativo contra os cortes dolorosos. Céus, o que eu tinha feito? 

Peguei a beca amarela e a vesti mesmo que não gostasse tanto assim da cor. Não havia como mudar aquilo, afinal, era a cor da escola. 

— Você está linda. — Lorenzo comentou parando ao meu lado, em uma voz baixa e rouca. Eu estremeci. 

— Você também está lindo. — Era verdade, lindo de morrer. 

Nos olhamos por um momento; seus olhos cinzas queimando minha pele. Naquele momento, parecíamos dois estranhos que se conheciam muito.

CINZAS - Saga Inevitável: Segunda Geração. Where stories live. Discover now