Capítulo 03: Victor, do 1° Ano

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O ano de 2003 chegava marcando um novo ciclo na minha vida. Eu ia iniciar o ensino médio, o antigo segundo grau. Escola nova, novos amigos e quem sabe, novos amores.
Desistir do amor só porque um não deu certo antes?! De forma alguma. Se tem uma coisa que eu sempre fui, é persistente.
Para quem viveu os anos dourados da novelinha Malhação, vai lembrar da referência. Estudar na nova escola era como estudar no colégio múltipla escolha! Passei três anos lá e foi lá também que vivi três paixões. A primeira delas foi no primeiro ano com o Victor. Ambos éramos novatos. Eu não o conhecia. Assim como não conhecia metade dos alunos da minha nova turma. Eu nunca fui bagunceiro mas sempre gostei de sentar no fundão da sala. Já Victor sentava na frente. Não no meio. Ficava escorado na parede, na segunda fila, do meu lado esquerdo. Enquanto eu ficava no meio, lá no fundão com duas amigas do antigo colégio, a Tatiana e a Simone. Duas meninas excluídas pelas demais por não se enquadrarem no padrão de beleza imposto. Na época não existia o termo bulling, mas antes de existir, já sentíamos na pele o preconceito da maioria. Elas, por serem tachadas de feias e eu, por ser "diferente" dos outros garotos.
Outra que se juntou ao nosso grupo dos excluídos foi a Samara, que descobrimos ser prima do Victor. E logo tratou de nos contar tudo sobre ele. Não que me interessase. Até porque, para todos os efeitos, eu era hetero. Não seria arrancado do armário na época do colégio de jeito nenhum. Sem assumir, eu já sofria com os olhares tortos e a dúvida de muitos, imagina se eu assumisse. Minha vida iria se tornar um verdadeiro inferno.
Tatiana e Simone ficavam todas risonhas quando viam Victor, que nem dava bola. Até que um dia, algo aconteceu.
Estávamos fazendo prova, a sala tava o maior silêncio. Eu sentia meu rosto arder, meus pelos das pernas pinicar e quando isso acontecia era porque alguém estava me olhando. Instintivamente levantei a cabeça e meus olhos encontraram os de Victor. Rapidamente baixei a cabeça novamente. Eu não estava acreditando. Estava eufórico. Vermelho parecendo um pimentão por conta da minha pele clara.
No recreio, as meninas começaram a tagarelar.
- Eu não sei se era pra mim ou pra Simone, mas teve uma hora que o Victor não tirava os olhos da gente. - disse Tatiana.
- Eu vi também Tati. Finalmente aquele gato olhou na minha direção. - disse Simone.
- Calma meninas, acho que vocês estão imaginando coisas. Ele já tem namorada. - afirmou Samara.
- Então por que ele tanto olhava pra onde a gente tava? Eu vi. Ele terminou a prova, entregou a professora e ficou sentado de lado, escorado na parede e olhando pra cá. - questionou Tatiana, me fazendo lembrar do flerte com Victor.
- Não sei, mas não deve ter sido nada de mais. - concluiu Samara.
- Tu não viu não Enzo? - perguntou Simone.
- Eu não vi nada. Estava mais preocupado com aquele monte de perguntas a espera das respostas. - falei as gargalhadas, na intenção de acabar com aquele papo.
Não fazia a mínima idéia do que estava acontecendo. Como que eu iria saber a real intenção do Victor. Eu sempre ficava com meus dois pés atrás com toda situação que pudesse me expor. Minha vida nunca foi novela pra ser acompanhada. Gosto de viver no sigilo. Ninguém precisa saber. Afinal, o que ninguém sabe, ninguém estraga. Esse era meu lema de vida.
Os dias foram se passando e os olhares do Victor só aumentavam. Ele parecia querer se aproximar. Passei a vê-lo nos lugares onde costumeiramente ele não frequentava antes, como na biblioteca na hora do intervalo por exemplo. Mas só fomos trocar nosso primeiro papo mesmo em meados de abril daquele ano. Todos estavam no recreio, na sala só algumas pessoas. Foi então que eu resolvi fazer uma brincadeirinha. Estava disposto a tirar uma dúvida que pairava na minha cabeça, afinal, pra quem Victor realmente tava olhando? O que ele queria afinal?
Fui até o quadro negro, que na verdade era verde, apaguei a tarefa da aula passada e escrevi em letras garrasfais: VICTOR E TATIANA ou será VICTOR E SAMARA? Agora era só esperar a reação dele. O que não demorou muito. Victor entrou na sala furioso. Algum dedo duro foi correndo contar pra ele. Ele rapidamente apagou o que estava escrito na base do ódio e veio na minha direção.
- Tá viçando é? Se tiver me avisa que eu resolvo rapidim. - disse ele e saiu nos cascos.
Nem tive tempo de rebater. Risinhos e vaias se espalharam na sala e eu tratei de rir também, mesmo me sentindo um merda com o que aconteceu.
A próxima aula era de química. E eu odiava aquela matéria. Não estava conseguindo me concentrar no assunto e se não fosse pouco, ainda tinha que aturar o olhar furioso do Victor que vez por outra, me lançava.
No final da aula tive a oportunidade de pedir desculpas pra ele, afinal, eu tava errado. Eu vi o Victor tirando algumas dúvidas com o professor e resolvi fazer hora pra finalizar o que estava fazendo, nesse tempo, as meninas foram embora, me deixando pra trás. Foi então que guardei minhas coisas e quando ele se encaminhou pra pegar seu caderno, me aproximei.
- Eu gostaria de te pedir desculpas pelo que eu fiz mais cedo. - Ele me encarou, parecia surpreso, mas não respondeu nada.
Então eu continuei.
- Foi idiotice minha eu sei, mas estava cansado de ouvir aquelas duas matracas se degladiando pra saber pra quem afinal você tanto olha. Se pra Tatiana ou pra Simone. Não que isso justifique.
Então ele respondeu. Nesse momento éramos os últimos alí na sala de aula.
- Eu não fico olhando pra nenhuma das duas. Se quer ouvir da minha boca, o que já sabe, experimenta me perguntar da próxima vez antes de sair por aí fazendo merda.
Ele já ia saindo quando, no impulso eu perguntei.
- E pra quem você tanto olha Victor?
Não sei de onde veio tanta coragem, mas eu sabia que precisava aproveitar a oportunidade.
Antes de responder, Victor me encara com um olhar doce e amigável, diferente de instantes atrás.
- É pra você que eu olho Enzo. Nem adianta perguntar porque. Eu não sei o que está acontecendo comigo, eu só sei que... é pra você que eu olho. E se você contar isso pra alguém, juro que te mato.
- Não precisa se preocupar, ninguém vai saber da gente, quer dizer, do que você acabou de falar. Eu... Eu também não sei o que está acontecendo comigo, porque eu também tenho olhado pra você de uma forma diferente.
- O que será que está acontecendo com a gente? Eu sou hetero, tenho namorada. Eu sempre gostei de mulheres. - ele disse.
- Eu não sei te responder isso. Só acho que ninguém manda nos sentimentos ou nos próprios desejos. - respondi.
- Entendi. Você namora alguém? - perguntou ele.
- No momento não. Tô me recuperando de uma desilusão, pra ser sincero.
- Sei como é. Vou nessa, nos vemos amanhã então, tchau.
- Victor, espera...
- Que foi?
- Você não me respondeu se me perdoa.
- Tá perdoado. E eu também te peço perdão pela forma grosseira e estúpida que te tratei. Tô com o coração mais leve agora que passamos uma borracha em cima disso.
- Nem precisa se desculpar, eu mereci.
- Não diga isso Enzo. Nada me daria o direito de te faltar com o respeito na frente de todo mundo. - disse ele ao me estender a mão.
Foi um aperto de mão cheio de significados. E isso estava estampado em nossos olhos.
Agora eu tinha encontrado o cara certo. Estava radiante.
Os dias seguintes foram um sonho. Começamos a namorar escondido. Nos encontrávamos na biblioteca da escola, na sala de aula vazia e até mesmo no banheiro masculino. Qualquer chance que tínhamos, lá estávamos nós, aos beijos e muita pegação. Tudo seria perfeito se não fosse o ciúmes que ele sentia. Eu não podia nem olhar pro lado. Ele ficava de olho em tudo que eu fazia pra depois me encher de cobranças. Isso estava fodendo com tudo.
Certo dia, nossa professora faltou. A diretora não quis dispensar a turma. Invés disso, ela juntou com a outra sala. Eu odiava quando isso acontecia. Mas dessa vez foi bem pior. Victor percebeu olhares de um dos meninos pra mim. Eu também tinha percebido mas não comentei. Deixei pra lá. O problema é que Victor não fez o mesmo.
- Você conhece ele? - Victor perguntou.
- Ele quem?
- Já vai dizer que você não percebeu o cara lá do 1° B te comendo com os olhos?!
- Sim, eu percebi. Mas não sei se você percebeu mas eu não dei a mínima importância. Victor, eu que deveria sentir ciúmes de você, afinal você tem namorada. Você acha fácil ter que te dividir com ela?!
- É diferente Enzo. Quando começou o nosso lance eu já namorava e você sabia disso.
- Pois é, eu sabia. Por isso eu engulo o meu ciúme e finjo que ela não existe. Mas você exagera. Eu só fico com você, só olho pra você. Victor eu só quero você, ninguém mais.
- Falando assim eu já fico todo exitado. Vem aqui vem.
- Aqui não Victor, tá doido?!
Estávamos na sala de aula, na hora do intervalo. Ainda assim, não quis arriscar.
O "nosso lance" balançou desde então. Eu não estava satisfeito com as desconfianças dele e ele, por sua vez, não estava nem aí pra isso. E aí o ano foi acabando. Nos últimos meses nos afastamos um pouco. Uma sensação terrível de que ele estava escondendo alguma coisa me incomodava. Eu deveria ter perguntado mas preferi esperar ele mesmo me contar. Respeitar o espaço dele tá ligado?!
Foi aí que eu me lasquei todinho. Não nas matérias. Passei de ano em todas. Eu estava muito feliz com minhas notas finais até o momento em que a amiga dele aproveitou pra fazer um discurso pra turma.
- Gente, atenção aqui por favor. Eu sei que muitos de nós estamos felizes com o resultado das nossas notas. Aos que passaram de ano assim como eu, parabéns! E aqueles que irão fazer a recuperação, boa sorte! Mas eu não poderia deixar de agradecer ao meu amigo Victor por toda a ajuda que me deu em Física. Amigo, eu não sei o que será de mim no próximo ano! - disse ela emocionada.
- Você vai mudar de colégio? - alguém da turma perguntou.
- Eu não, mas o Victor vai estudar em outro colégio ano que vem. Já até reservou uma vaga e tudo. Mas eu sei que será o melhor pra ele, por isso eu te perdoo amigo. - ela o abraçou, enquanto ele me encara de longe.
Eu estava sem acreditar no que eu tinha escutado.
Como assim trocar de colégio?
E por que Victor não me falou nada?
Que porra tava acontecendo?
Logo após a sala começou a esvaziar. Ele não parava de me olhar, mas eu simplesmente tava ignorando. Ele até tentou se aproximar mas eu logo dava um jeito de colar nas minhas amigas.
Saí e o deixei. Mas eu não podia simplesmente ir embora, tinha que conversar com ele, ouvir o que tinha pra dizer. Resolvi esperar na saída.
Não demorou muito e lá vinha ele, cabisbaixo e alheio a tudo ao seu redor. Nem me notou ali, a sua espera. Foi então que o abordei:
- Tem alguma coisa que você queira me contar Victor?
- Eu não queria que você ficasse sabendo dessa forma, me desculpa. Eu ia te contar. Só não sabia como. - ele disse.
- Haram... Quando você ia me contar? No próximo ano quando já tivesse bem longe daqui?
- Claro que não Enzo. Eu ia te falar. Você tem que entender. Minha namorada fez pressão para que eu vá estudar no mesmo colégio que o dela. Eu não consegui mais dizer não. O máximo que eu consegui foi enrolar ela esses meses, desde do meio do ano que ela queria que eu fosse, e eu fiquei aqui por você.
- Eu só acho que você deveria ter me contado. Afinal, o que eu sou pra você?
- Me desculpa, tá bom? Eu errei.
- Então é aqui o momento em que você termina tudo comigo?! - perguntei.
- Eu não quero terminar com você. Não precisamos terminar.
- Engano seu. Precisamos sim. Não adianta retardar o inevitável.
- Enzo, você tem que entender, ela é minha namorada. É normal que eu vá estudar no mesmo colégio que ela.
- Mas eu entendo perfeitamente. Você já decidiu tudo e já pensou em cada detalhe. Você pensou em vocês dois, o que eu achei muito bacana da tua parte. Você só não pensou em mim. Mas não se preocupe. Já que você não tem coragem, eu faço. O nosso lance, como você sempre diz, acaba aqui. Adeus!
Não foi nada fácil colocar um ponto final na nossa história, mas eu precisei fazer. Morávamos distante um do outro, o colégio nos aproximava. Ele indo estudar em outro local, só dificultaria tudo. Sim, eu fiz o que precisava ser feito. Pelo menos naquele momento.

Fim! ♡

Notas do autor:
Essa foi a história de Victor & Enzo.
A lição que fica é de Resistência. Resistir e optar por nosso bem estar será sempre a melhor escolha. Ser segunda opção é se anular, aceitar as migalhas. Amor próprio sempre!
Novas paixões e desilusões aguardam nosso protagonista nos próximos capítulos.
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Trilha Sonora:
Um Anjo Veio me Falar - Rouge

As Paixões Secretas de EnzoWhere stories live. Discover now