A Teoria Da Velha

Começar do início
                                    

— Não precisava exagerar, lembra do que rolou com Jeffin quando Marola foi fazer visita? – recordou entre os dentes pra conter os dons de atriz da irmã. – Calma, dona Dita, já tá tudo bem, num é Ellinha?

— Sim, mãe. Tá tudo bem agora, tá? Ele só foi chato pra caralho, mas deixou.

— Sinal que ainda tem o mínimo de noção, nem devia ter pensado tanto se tivesse miolo!

— Eu entendi o ponto dele, mãe. Ele tava reclamando que eu sou famosa, vou atrair muita gente interessada, revista, jornal, e ele não queria esse povo todo transitando na favela sem o aval dele. Coisa do Corre.

— E como que tu deu o laço da ideia no homem? – Mimi quis saber se a amiga usou sua ideia.

— Michelle, pelo amor de Deus, cala essa boca! – Celly resmungou quase roxa de embaraço.

— Bem que você também tá curiosa! – Mimi provocou antes de se frustrar com os sinais de que Krystiellen optou pelo caminho mais difícil.

— Desenrolei, né? Com Marola eu sei qual é o papo. Foi só falar que é capaz de atrair turista pra ver as crianças, ajudar, esses turismo de voluntário, e que isso vai trazer receita pra todo mundo, até pra ele.

— Como assim, filha? Ele te contou arrego?

— Não, nem precisou. É que é muita ilusão a gente pensar que todo mundo que vai colar de voluntário é gente de bem que não fecha com o errado, né? Principalmente esses playboy que tá ansioso pra "levar cultura ao povo carente" igual se fosse todo mundo analfabeto.

— Ah, males que vem pro bem, não é? – amém!

Um curto silêncio em respeito às preces nervosas da mãe Dita. Tirou de uma das bolsa que trouxe de Madureira um leque pra regular o calor do corpo e, atenta, Marcelly trouxe um copo d'água gelada em boa hora, abraçando a positividade pra apaziguar os ânimos.

— Foi bom resolver isso logo porque já pensou se ele interrompe em pleno funcionamento, Ellinha? O pessoal lá da papelaria até me perguntou disso.

— Aliás, como que foi, Celly? Eles aceitaram de boa? Teve condição?

— A papelaria tá no papo, pelo menos por uns 3 meses. Fiz todo um discurso sobre pobreza, miséria e esperança que a diretora lá até chorou. Já o pessoal lá do Mercado pediu tempo pra pensar porque disseram que já tão ajudando carente demais, é mole? Tu vai esperar ou vai ver outro?

— Eu não sei, ainda preciso ver outras coisa. Acho que vou aproveitar esses dias pra abrir as inscrição porque Marola quer ficha de todo mundo que quiser participar, de aluno a voluntário.

— Será possível que vai ter que dar satisfação pra esse cara, filha?

— Infelizmente, mãe. Ele ainda mandou não ter barulho, as criança não pode ficar jogada na rua e nem pintar muro de morador. E também que não quer ninguém achando que pode mexer nas tintas da loja do seu Zé Tijolo se não vai dar ruim.

— Ih... Já vi que vai dar tiro na mão. – é o que!?

— Tiro na mão de criança?

— Tá vendo o que você fez, Michelle? Tá feliz?

— Aí, Celly. O quê de diferente a gente pode esperar de traficante? Se fosse na época do Azeitona, capaz dele mandar até matar pra não se criar na área. Um tiro na mão pelo menos recupera.

— E onde isso faz Marola melhor que Azeitona, menina? Meu Senhor Jesus Cristo, onde nós estamos? – perdidos.

Como bem dito por Mimi, não dava pra esperar coisas certas de quem abraça a vida errada. Tá, Gracinha se animava bastante jogada no sofá do porão de Marola enquanto contava o ganho diário da faxina no ateliê de Krystiellen, mas ela era uma exceção que planejava comprar um agrado legal pra enteada porque Tória merecia algo de dinheiro limpo.

A Teoria do CorreOnde as histórias ganham vida. Descobre agora