10 - Como os animais

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Ao ouvir a voz de Danilo, Clara tentou abrir os olhos e encarar o que estava acontecendo. Assim que se viu no corpo de uma loba, se arrependeu de ter aberto os olhos. Não sabia como agir. Já estava deitada, então apenas se encolheu quieta. 

— Está tudo bem, meu amor. Tu está passando pela mudança e a loba precisava sair. Eu estou aqui do teu lado. Está tudo bem. Quando se sentir segura para tentar voltar é só se imaginar de volta, querer voltar. Pode precisar de um tempo de treinamento para ficar mais fácil, mas tu vai ver que a mudança vai ser automática sempre que quiser. É só usar a mente.

Clara não se mexeu. Ela ouviu o que Danilo disse, mas não se atreveu a tentar voltar para a forma humana. O coração de Danilo começava a se angustiar vendo sua companheira encolhida com medo presa em algo que era estranho para ela. Danilo instintivamente adotou sua forma lobo e lambeu o focinho da fêmea para lhe mostrar que ele estava ali com ela. Depois de fazer um carinho com o focinho, ele se aconchegou a ela. Ele era um grande lobo branco enrolado naquele pequeno lobo cinza assustado tentando lhe dar um pouco de conforto. 

Ficaram um tempo assim. Tempo que nenhum dos dois seria capaz de precisar em minutos ou horas, até que, sem aviso, ela voltou para a forma humana. Danilo imediatamente mudou para a sua forma humana também. 

— Está tudo bem?

Clara não respondeu. Não queria falar. Só queria ficar quieta encolhida.

— Amor, fala comigo. Eu preciso saber o que tu está sentindo. Eu sei que é assustador no começo, mas isso é natural, todas as fêmeas que precisam passar pela conversão passam por isso. Tu precisa entender que está segura. Eu nunca te colocaria em perigo. Eu estou aqui do teu lado o tempo todo.

Clara continuou em silêncio, mas Danilo não a soltou. Ficaram abraçados até dormirem. No outro dia, pela manhã, Danilo queria ficar em casa. Estava intranquilo para ir trabalhar. Clara ainda estava em silêncio. Não quis levantar e nem respondia quando ele tentava conversar. Não teria coragem de deixá-la sabendo que ela não estava lidando bem com a mudança em seu corpo. 

— Eu vou mandar uma mensagem para o coronel dizendo que tu não ficou bem depois da conversão. Ele vai entender...

— Não precisa. Eu estou bem.

— Eu não vou te deixar quando tu precisa de mim.

— Não quero que falte por minha causa. Tu disse que é natural e que todas as mulheres que não nasceram licans tem que passar por isso. Então, eu vou ficar bem. Se eu precisar posso chamar a Lilia.

— Isso. Chama a Lilia ou a tia Tônia. Elas virão. Vou deixar elas de sobreaviso para o caso de precisar..

— Não precisa preocupar elas.

— Não é preocupar, amor. Mas tu não está bem e a família vai te apoiar. Nós sempre nos apoiamos quando um de nós não está bem.

Clara não respondeu mais. Danilo enviou mensagens à Lilia e Tônia, deixou algo pronto para Clara comer e saiu para trabalhar.

Durante o dia, Clara arriscou sair da cama. Sentia o corpo estranho. Se sentia mais desperta, mas o corpo estava um pouco dolorido. Tomou um banho, mas não quis comer nada. Não sabia definir o que estava lhe incomodando tanto. Ouvia o celular apitar com mensagens e ligações, mas ignorava. Como se não bastasse, a campainha tocou. O que menos queria era gente em casa para vê-la naquele estado. O alívio foi ver que eram Lilia e Tônia.

— Tivemos que ver como tu está — tia Tônia soltou.

— Tentamos falar contigo, mas como não atendeu o celular ficamos preocupadas — falou Lilia amigável como sempre.

— Desculpa, eu não quis preocupar vocês. Eu estou bem.

Clara preferiu se desculpar por tê-las preocupado, enquanto elas se acomodavam no sofá. 

— Vocês querem querem beber algo? Eu estava pensando em fazer um café.

— Só se tu fizer para ti. Por mim não precisa, não sei a tia Tônia. 

— O que aconteceu contigo para que precisássemos vir? — falou tia Tônia um pouco impaciente. A pergunta pegou Clara de surpresa. Apesar de saber o motivo da visita, ela não esperava ser questionada de forma tão direta.

— Vocês não precisavam ter vindo. Eu disse para Danilo que não precisava incomodar vocês. Ele ficou preocupado porque eu.... não lidei muito bem com... Eu fiquei assustada com a conversão e a loba saindo. Foi só isso.

— Mas eu não sei porquê ficou assustada. Tu não sabia que isso ia acontecer? Não sabia que se uniu a um homem lican? 

— Sim. Eu sabia. Ele já tinha conversado comigo sobre isso, mas sentir fisicamente a mudança é diferente de só falar sobre isso. Eu fiquei um pouco assustada na hora, mas passou. Agora eu já estou melhor.

— É bom estar melhor mesmo, porque não tem motivo para preocupar meio mundo por uma coisa que é natural e que tu sabia que ia acontecer.

Tônia falava em tom de repreensão, apesar de mostrar um sorriso de vez em quando. Clara se sentiu mal por ter causado essa situação. Elas tiveram que sair de seus afazeres porque ela ficou assustada com algo que deveria ter considerado natural.

— Mas é normal. Eu também fiquei assustada quando fui convertida. Acho que não tem como não se assustar. É uma coisa nova para ti. Tu vai se acostumar, só precisa de um tempo. 

Nesse momento Clara agradeceu por Lilia estar ali. Tanto por tranquilizá-la, como por interferir na repreensão de Tônia. Clara não entendia porque Tônia estava tão incomodada por ela não ter lidado bem com a conversão.

Ao meio dia, quando Danilo foi para casa ver Clara, as mulheres ainda estavam lá, então os quatro almoçaram juntos. À tarde, Clara ficou sozinha de novo e resolveu testar suas novas habilidades, especialmente a de trocar de forma. Tinha medo de ir para a forma loba e não conseguir voltar, ao mesmo tempo sentia que se sentiria mais à vontade para treinar estando sozinha. Não queria alguém lá para ver o seu medo e dificuldades. 

Os dias passaram e Clara conseguia lidar cada vez melhor com a sua loba. Já não tinha tanto medo de mudar de forma e se convencia de que realmente era algo natural. As outras mulheres sempre a tranquilizavam dizendo que também tiveram dificuldade no início e que só a prática ajudaria. Exceto Tônia, que não perdia uma oportunidade para alfinetar a dificuldade das outras. Clara entendeu que Tônia havia nascido lican e por isso se sentia superior às demais mulheres que nasceram humanas. 

Os licans eram em sua maioria homens, porque nasciam poucas meninas. Por nascerem poucas mulheres licans, a maioria dos machos encontrava sua companheira entre as humanas e precisava fazer a conversão. Após a conversão elas se tornavam tão licanstropas quanto as que nasceram de pais licantropos. Não havia nenhuma diferença entre elas. Contudo, Tônia nunca escondia o sentimento de superioridade. Como os licans formavam uma comunidade muito unida, todos se consideravam uma grande família, além dos laços de sangue, todos relevavam o jeito de tia Tônia. Ela parecia realmente acreditar que as humanas convertidas deveriam ser mais cobradas para estarem à altura de seus companheiros e isso era encarado pela comunidade apenas como uma preocupação excessiva dela com o bem estar das famílias, especialmente daquelas que haviam companheiros de sua família de sangue.

A Loba Profetizada - Livro 2 da série Lobos do SulWhere stories live. Discover now