2 - COMO SE LIVRAR DE UM FANTASMA

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Tudo vai ficar bem, eu consigo lidar com isso. Preciso apenas me manter calma. Era o pensamento que permeava em minha mente, uma âncora para me manter sã, uma forma de acalmar o desespero que queria explodir no meu peito contido.

A batida de carro acabou me afetando mais do que imaginei.

O socorro precisava apenas chegar de uma vez. Havia perdido a noção de tempo... Quantos minutos já havia se passado? Para mim, parecia que estava ali há horas.

Meu corpo estava tenso e eu tinha voltado a sentar dentro do carro, com os olhos cravados no volante e sem me atrever a desviar o olhar. Se fizesse isso, me depararia com o homem de pé ao meu lado, que vez ou outra tocava a lataria do carro, assistindo com os olhos arregalados sua mão ultrapassar o metal.

Não era um bom sinal achar que estava vendo um fantasma...

Eu devia estar em choque, o que era comum em acidentes. Era a única explicação plausível, muito melhor do que acreditar que estava sendo assombrada.

Pareceu uma eternidade, mas finalmente ouvi as sirenes cortando o silêncio da noite. Meu corpo relaxou um pouco e a certeza de que tudo ficaria bem dissolveu parte da tensão do meu corpo.

Paramédicos se aproximaram de mim e me deixei ser levada até a ambulância. Por mais que afirmasse que estava bem, insistiram em me examinar.

Sempre fazendo de tudo para não olhar na direção da alucinação que me rodeava, contei a eles o que aconteceu e respondi cada pergunta feita, enquanto era examinada por um socorrista. Tudo para ele dizer que eu estava bem, sem lesões.

O restante do grupo de resgate estava ao redor do carro do desconhecido. Sentada na ambulância, consegui ver quando a porta foi arrombada e o colocaram numa maca.

Os primeiros cuidados foram feitos ali mesmo, no local Mal começaram quando alguém gritou a frase "Não tem pulso!" com urgência.

Tudo parecia estar em câmera lenta diante dos meus olhos e os movimentos de reanimação começaram. Por mais que quisesse desviar o olhar, eu não conseguia e assisti a cada angustiante segundo da tentativa de fazer o coração do homem voltar a bater.

Nada fez com que ele reagisse. Foi dado como morto.

Não sei o que me moveu, mas quando me dei conta, estava próxima do corpo, vendo os socorristas o examinarem para descobrir a possível causa da morte. Não havia ferimentos, sangue ou fraturas, nada que pudesse explicar o coração se recusar a bater.

O grupo então chegou numa explicação unânime: infarto fulminante.

Olhei o homem estranhamente familiar, sem acreditar no que diziam. Ele parecia ter uns quarenta anos e tinha um corpo esguio, exceto pela barriga proeminente. Nada do que eu via parecia encaixá-lo como alguém propenso a morrer dessa forma.

Continuei ouvindo a conversa deles e descobri que o homem já estava morto muito antes do socorro chegar. Engoli em seco, sentindo a culpa pesar em meu coração. Poderia ter pedido o socorro antes. Se eu não tivesse perdido o controle e me desesperado, talvez ele ainda estivesse vivo.

Mas não fiz isso, apenas o assisti morrer.

— Estou morto? — Uma voz rouca sussurrou atrás de mim.

A frase foi dita devagar e ele parecia incerto se realmente era capaz de produzir som.

Virei tão rápido que meu cabelo voou. Os fios negros estavam novamente sobre meu rosto, mas não me impediram de encarar novamente a alucinação, sem acreditar que agora eu imaginava sua voz.

Para a minha infelicidade ela ainda estava ali, com os olhos arregalados encarando os meus. sua expressão era de puro pânico e vez ou outra, desviava o rosto translúcido e encarava o corpo na maca.

Pequenos Desejos (Degustação)Where stories live. Discover now