PRÓLOGO

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A única coisa que passava por seus pensamentos era o frio.

A garotinha cujos cabelos longos e cheios de ondas, que se assemelhavam tanto a fios de ouro bate os dentes e se abraça numa tentativa falha de apaziguar o ar gélido da paisagem pálida. A nevasca batia suavemente em seu rosto. Mal sentia as pontas dos dedos das mãos e dos pés, que estavam ambos desprotegidos.

Estava sozinha. Na neve.

Ela olha ao redor, não devia ter mais de oito anos. Os olhos cor de ouro contrastavam de forma bonita com sua pele, tão pálida, como a neve ao seu redor. A pouca cor em seu rosto se limitava às bochechas rubras de frio e a ponta avermelhada de seu delicado nariz.

Suas roupas eram trapos de segunda mão, rasgados o suficiente para ser difícil identificar que tipo de peças usava. O tecido rasgado e acinzentado revelava pele macia e intocada. Não. Ilesa.

A garotinha fecha os olhos por alguns segundos. Sentindo o ambiente, buscando algum barulho além do canto do vento que cortava seu rosto. Sentia a neve fofa em contato direto com a sola de seus pés, as pedras menos congeladas ofereciam certa segurança para ela. Nada. Completamente sozinha. Como se fosse a última vida no mundo.

Ela então se senta no chão e abraça suas pernas. Não dava qualquer sinal de desespero ou tristeza. Apenas reagia a seus instintos, eram a única coisa que tinha, a única coisa que não a abandonaria. Seu semblante era calmo e frio, tão controlado como um velho monge das montanhas do Tibete. Sua beleza, quase etérea, fazia-a parecer uma pequena boneca de porcelana abandonada ali. Os sentimentos controlados, como alguém que viu as sombras mais escuras do mundo.

Toc.

A garotinha levanta a cabeça rapidamente, os olhos dourados arregalados. Um barulho. Talvez não estivesse tão sozinha. E não sabia direito se isso era bom.

Toc. Toc. Toc.

Sua pulsação acelera. O som já estava próximo o suficiente para dizer com certeza que eram passos. O barulho abafado pela maciez do solo não a enganava, ouvia bem, apesar do barulho do vento em seus ouvidos. Olhou ao redor freneticamente, sentia no fundo de sua mente uma vozinha alertando-a do perigo. Os pelos de seus braços finos se eriçaram, e não tinha relação com o frio.

- Já temos peles o suficiente, e carne. Poderemos suportar todo o inverno. – dizia uma voz mais próxima do que ela esperava. – E já estou cansada, nunca vamos achar o filhote.

Ela ouve alguém estalar a língua de forma desgostosa, havia calculado que haviam apenas duas pessoas pelo som.

- Natasha, você sabe quanto vale a pele de uma pantera negra nessa região? – retruca a outra, do estalar da língua. Sua voz era masculina e madura, e fria. Tão fria quanto a neve que a rodeava.

- Eu sei disso, Nathan! Mas já temos o pai e a mãe do filhote. E nem temos certeza se existe mesmo um filhote. – argumenta a menina, seus passos eram um pouco mais rápidos do que os do homem. – Temos é que agradecer aos céus pelas panteras já estarem mortas quando chegamos. Aliás, alguma ideia do que as matou? – pergunta, mudando completamente o foco do assunto.

A pequena garotinha se afasta conforme as vozes vão se aproximando. Sentia medo. Muito medo. Ela tomava o cuidado de pisar com seus pezinhos descalços apenas nas pequenas pedras. Sentia que deixar pegadas não era uma boa ideia.

Mas mantinha distância segura para continuar ouvindo a conversa dos dois estranhos.

- Não faço ideia. – responde o homem por fim, suspirando. – Os corpos estavam destroçados demais. E é por isso que precisamos achar o filhote. Se o cortarmos direito, vamos ter mais peles intactas para vender do que os pedaços que temos. – continuou ele. – E eu sei que existe uma panterinha negra em algum lugar por aqui, eu vi as pegadas de patinhas. O engraçado é que estavam borradas por pegadas dos adultos, como se... os pais soubessem que precisavam encobrir seu filhote. – a voz do homem soou intrigada.

COMMANDERWhere stories live. Discover now