3. Devagarinho

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Na quinta-feira, Harry ainda usava um curativo no dedo, disse ter substituído várias vezes porque agora já tinha se acostumado e, no fundo, achava bonitinho. Como se eu tivesse alguma dúvida que isso fosse acontecer. Ainda mais quando o vermelho do desenho contrastava tão bem com sua pele pálida.

Estávamos sentados na cama dele. Ele apoiado na cabeceira e eu na parede, perto o bastante para que meu corpo estivesse consciente do seu, mas com uma distância segura entre nós dois.

O quarto dele é tão menor comparado ao meu, mas tão aconchegante. Ainda mais agora com as coisas que eram facilmente identificáveis como dele. Era o tipo de cômodo que você só quer deitar no edredom macio e ler um livro enquanto acende um incenso, tudo nele transmitindo conforto imediato.

(Inclusive a pessoa ali, dividindo a cama comigo)

— Você quer decidir o que a gente vai fazer? — Propus.

— Acho que a gente deveria ter um ponto de partida primeiro. Saber o que queremos retratar sobre o outro e só depois decidir como vamos retratar.

— Faz sentido. — Falei, apesar de ter pensado muito o caminho todo sobre pedir que ele me ensinasse cerâmica. Bom, acho que isso fica pra outro dia.

Decidimos fazer uma tarde de perguntas. Tudo para que entendêssemos um ao outro um pouco mais.

— E nós vamos sair pra beber quando acabar. — Deixei claro, todo esforço merecendo ser recompensado, como se conhecê-lo exigisse algum esforço meu e não fosse, na verdade, algo que eu ansiava, assim como tê-lo conhecendo quem eu era.

Harry ajeitou o corpo na cama. Ele usava uma camisa preta simples que contrastava com a cama branca e um short jeans.

— Eu posso começar? — Ele parecia animado, imagino que tivesse muitas perguntas. Confirmei com um balanço da cabeça. — Cor preferida?

— Verde. — Respondi e perguntei o mesmo.

— Branco. — Ele respondeu com um sorrisinho idiota na cara. Entendi que a verdadeira pergunta ali era se eu iria corrigir ele, consigo ver como isso diria muito mais sobre mim do que qual a minha cor preferida. Afinal, branco não é cor.

— Você disse cor. — Não resisti.

— Roxo. — Harry respondeu dessa vez sem tom de brincadeira. — Algum relacionamento?

— Eu não teria te beijado se tivesse.

— Nunca se sabe. Isso diria bastante sobre você. — Ele riu por alguns segundos. Prestei bastante atenção no som que saia dele. — Artista preferido?

— Essa é meio óbvia. Artemisia. Você?

— Monet.

Nas próximas duas horas, descobri que Harry tem uma coleção de anéis, que aqui é o mais distante que já esteve de sua casa porque fez faculdade por perto e que às vezes assiste TV no mudo e fica dublando as pessoas, narrando sua própria versão do que via.

Harry terminou sabendo que saí da casa dos meus pais assim que terminei o ensino médio, que não quero morrer antes de ver uma macieira com meus próprios olhos e que eu jogava no time de futebol da faculdade. A última informação foi tirada quando ele questionou o short que uso hoje.

Também descobri, não sei dizer quanto a ele, que nossa atração física é quase incontrolável. Nossos corpos teimosamente se inclinavam na direção do outro durante todas as perguntas de forma inconsciente. E, no fim de cada resposta, nos endireitávamos só para voltar a mesma proximidade no próximo minuto.

Chiaroscuro [l.s]Where stories live. Discover now