Joaquim, definitivamente, não sentia mais aquele tão intenso e pujante amor por Magali como por tantos anos sentira — e esta percepção ainda era-lhe completamente estranha, pois jamais imaginara a si mesmo existindo sem o nome dela gravado em seu coração.
Qualquer conversa, pensamento ou gargalhada fora interrompida pela entrada de Professora Ana Paula, que carregava um papel nas mãos. Seus olhos consternados varreram todo o ônibus. Ela trazia um ar preocupado e atento, ocupada demais, junto aos outros professores, com os alunos, as bagagens, as papeladas...
— Bom dia, 3ºA! — exclamou ela, sorrindo. — Atenção para a chamada. — e desatou a chamar os nomes completos de todos os presentes.
Ao terminar, ela saiu brevemente da condução, provavelmente para avisar aos outros professores que estava tudo pronto. Licurgo estaria a cargo do segundo ônibus; Rubens, do terceiro.
Após alguns instantes, o motor foi iniciado, o que levou toda a turma para as janelas a fim de acenarem uma última vez para suas famílias. Quim logo sentiu Xavier assomando-se sobre seu corpo para que ele pudesse avistá-los. Tamanha fora a sua surpresa quando percebeu que o companheiro de viagem acenava para ambos seus pais; mesmo divorciados, ali estavam, juntos, acenando alegremente para o filho que se afastava.
Quim esperou que Xavier voltasse a seu assento para indagar-lhe:
— Eu... pensava que seus pais fossem divorciados. — disse ele, sem muitos rodeios, enquanto o ônibus seguia pelas ruas, em direção à estrada.
Xavier riu-se suavemente.
— Eles são. — confirmou o garoto. — Mas não se preocupe, Quim. Você não é o primeiro a se espantar com o fato de que eles sequer conversem ainda. Na realidade, eles são bem amigos. Minha mãe fez questão de me trazer aqui hoje. — ele fez uma careta, revirando os olhos e rindo; as aspas sendo indicadas com os dedos no ar. — Ela disse que "queria presenciar o menino dela virando um homem" ou alguma coisa brega assim.
Sem querer, Joaquim deu uma gargalhada alta. Mentalmente, adicionou mais um item à lista: família tranquila e amigável.
— É sério! — Xavier balançava a cabeça, assentindo. — Que breguice! Quem diz essas coisas?
— Mães, eu acho. — Quim deu de ombros, resoluto.
Xavier concordou, rindo novamente. Até que seu rosto se modificou, tornando-se sério. Quim o observou durante cada segundo.
— Eu não vi a sua mãe, Quim. — ele disse, tentando se recordar. — Ela veio?
O rosto de Quim transformou-se em uma carranca, e ele sentiu a mudança tarde demais para evitá-la. Por um segundo, amaldiçoou-se por ser tão sentimental; o coração sempre saltando-lhe do peito, as emoções sempre exibindo-se como quadros em um museu.
— Não, ela não veio. — murmurou ele, tristemente. — Seus pais são amigos mesmo após o divórcio, mas os meus ainda são casados e não aguentam ficar na mesma sala por muito tempo. — fez uma pausa; suspirou fundo. — Ela voltou à casa dos meus avós há alguns meses...
Xavier arregalou os olhos, espantado. Voltou sua atenção completamente para Joaquim, girando o corpo em sua direção no assento.
— Mas eles moram em...
— É. Portugal.
Xavier balançou a cabeça, triste com a notícia.
— Caramba. — murmurou ele. — Posso te afirmar com certeza que nunca fiquei tão longe da minha mãe assim. Deve ser um saco, Quim.
Quim balançou a cabeça, sentindo-se grato com a compaixão de Xavier.
— É um saco, sim. — concordou. — Mas tê-la por perto consegue ser ainda pior, então... talvez a mudança seja para o melhor. Não é?
Xavier concordou avidamente, ansioso para encontrar um lado positivo, algo que acalmasse e alegrasse Quim.
— Sim, sim! Com certeza! — respondeu ele, prontamente.
Os garotos, então, silenciaram-se. Joaquim observou Xavier apoiar o queixo em seu joelho erguido, os olhos castanhos inquietos, as engrenagens em sua mente funcionando ávidas.
— Ei, Quim... — Xavier balbuciou, levantando os olhos. — Você... já tem companheiro de quarto? — ele fez uma careta; parecia nervoso, por algum motivo. — Quer dizer, esquece! Deve ser a Magali, não é?
Joaquim surpreendeu-se com a pergunta. Pareceu-lhe que Xavier quis fingir que a ideia acabara de lhe ocorrer, mas ele era um péssimo ator. Ele queria me perguntar isso desde o início, pensou o garoto. Porém, não conseguia imaginar o motivo para tanto rodeio.
— Você não gostaria mais de dividir o quarto com a Denise? — indagou Quim, trazendo sua namorada à conversa.
Xavier franziu o cenho, parecendo confuso por um segundo.
— Não. Ela já vai dividir o quarto com a Carmem. — respondeu ele, como se contasse a verdade mais óbvia já vista. — É que... eu estava dizendo que... eu não acho que os professores deixarão meninos dormirem com meninas, sabe? Então, eu pensei que nós poderíamos... dividir o quarto.
As sobrancelhas de Joaquim se elevaram com a surpresa que ele sentira. A lógica era pertinente.
— Tudo bem, então. — Quim respondeu alegremente, e o sorriso que coloriu o semblante de Xavier poderia iluminar a cidade inteira. — Vou ser seu companheiro de quarto.
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Porque eu amo você
Teen Fiction"Faz-se porque ama-se." Nesta história coming-of-age, nossos queridos protagonistas e secundários do Bairro do Limoeiro graduam-se no Ensino Médio, o que significa que a vida adulta está prestes a se iniciar. Durante esta jornada, que se principia c...
Capítulo 1: Joaquim
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