Capítulo 2

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Eu sempre venho para os acampamentos, mas sempre esqueço como é ruim descansar aqui. A Eduarda já fez amizade com uma garota da outra igreja e elas não param de conversar um só segundo, enquanto as outras meninas parecem que nunca ouviram falar de fone de ouvido na vida.

Mesmo com as inúmeras atividades diárias a noite é a maior euforia, e eu afirmo que quem conseguir dormir em meio a esse barulho não acorda nem com as bombas de uma guerra mundial.

Afasto esses pensamentos da mente e começo a ficar (um pouco) feliz por estar na equipe em que fui sorteada. Logo depois de eu ter desejado boa sorte para a Lia e o Vitor, Márcio concluiu a chamada da primeira equipe: a azul. Fiquei super nervosa, mas meu nome não foi chamado, assim como o da Lia e o do Vitor. Isso aconteceu novamente quando ele concluiu as outras equipes: a vermelha, a amarela, a verde, a marrom e a laranja, mas assim que chegou a vez da equipe preta, o primeiro nome que ouvi foi o da Lia. Nós ficamos torcendo (atoa) para ficarmos na mesma equipe, mas nosso nome não foi chamado. Mesmo assim ela não ficou muito chateada, porque conhecia a maioria das pessoas de lá.

Por muita sorte eu e Vitor ficamos juntos na equipe branca; outros oito nomes foram chamados, e deles, três meninas e cinco meninos. A equipe ainda se reuniu, mas só para os componentes se conhecerem. Durante as apresentações fiquei pensando que, se a Lia estivesse com a gente, repararia em dois garotos que até eu concordaria que realmente são muito lindos, um era da minha altura, mas pelo rosto parecia um pouco mais velho, o cabelo era preto e ele era da minha cor: bem branquinho; o outro já era mais diferente: mais alto, mais forte (gordo não! Forte), bem branquinho também, e loiro, mas não um loiro como o meu, o dele era mais escuro, e de longe os olhos dele me pareceram bem clarinhos, um tom de castanho quase mel, eu acho.

Todos disseram o nome, e se eu me lembro bem, o nome do primeiro era Hugo e o do loirinho era Cauã, mas talvez eu esteja enganada.

Depois de dizermos nossos nomes, sobrenomes, idades e o que esperávamos desse acampamento (minha ordem foi Sam — óbvio que eu não ia dizer meu verdadeiro nome — Dühem, 15 anos, que me surpreenda), voltamos para casa. Bom, na verdade, não voltamos, eu voltei, porque não queria comer.

Ok! Eu queria comer, mas a Lia estava conversando com o Samuel, e o Vitor com o Rian, o único garoto da nossa igreja que era da nossa equipe, por isso me senti meio excluída. Então, sem nada pra fazer resolvi voltar para o dormitório. Todos os jovens estavam concentrados no salão, por isso não foi difícil sair de fininho e vir para cá.

É contrastante o silêncio que encontrei assim que cheguei e o barulho horrendo que há agora, não só no nosso quarto, mas na casa inteira em si. Fui para a varanda e fiquei cantando e balançando em uma rede que encontrei armada. O vento frio massageando minha pele e levantando meus cabelos e minha voz voando sozinha pelos ares é uma das melhores sensações que sinto, me faz sentir livre.

Cantei livremente umas quatro músicas (românticas — sim, às vezes me coloco em risco em relação à promessa que fiz a Deus, mas o meu amor por essas letras envolventes é incontestável), porém logo percebi o movimento das pessoas se aproximando e parei; aproveitei pra ir jantar, mas me arrependi da graça. A fila estava enorme e levou quase quinze minutos pra chegar a minha vez de receber a comida, até que enfim terminei, lavei minhas louças e me despedi do Vitor.

v

Me assusto com meu celular vibrando debaixo do travesseiro onde minha cabeça está apoiada, voltando para a realidade.

Oi.

Uma mensagem, mas o número não está salvo.

Oi. Quem é?

Respondo simplesmente porque a minha curiosidade é uma coisa difícil de se conter. Fico esperando a resposta, mas como ela não chega, coloco o celular no silencioso e o levo ao bolso. Saio do quarto e vou até a varanda, mas como há muita gente aqui decido descer e ficar do lado de fora. Procuro um lugar mais vazio e por sorte acho: uma árvore de tronco grosso e com um galho também bem grosso que provém dele e cresce baixo, quase triscando no chão. Percebo aqui um ótimo lugar para pensar, criar, tocar... Pena que eu não pude trazer meu violão! Sento nesse galho e começo a conversar com meu melhor amigo.

Como sempre, conto os acontecimentos do meu dia e como eu estou me sentindo.

Demoro uns longos minutos para terminar a nossa conversa, mas logo termino e me sinto livre, como se meu dia não ficasse completo se Deus não soubesse como ele correu. Pego meu celular e percebo que minha mensagem foi respondida.

Não posso dizer. Não ainda. Tá tudo bem com você?

Estranho essa mensagem. Como assim ainda não pode dizer?

Tá tudo bem, sim. Qual o seu nome?

Mais alguns minutos.

Você está gostando do acampamento?

Estou. Olha, desculpa, mas não costumo ficar conversando com estranhos. Não pode me dizer como se chama?

Também estou gostando, mesmo que não tenha passado nem um dia. Achei bem organizado! Com certeza vai ser muito bom!

Entendi. Você não quer dizer como se chama. Vou precisar descobrir?

Talvez sim, mas talvez eu te diga, quer dizer, te escreva. Não agora. Você está onde?

Se essa pessoa quer jogar, então tudo bem.

Acho que você também vai precisar descobrir, mas não agora. Boa noite, estou indo dormir.

O quê?! Começar a conversar agora! Por favor, vamos prolongar...

Não se preocupe, o mundo não vai se acabar hoje. Se bem que pode acabar a qualquer momento... Mas se tivermos que conversar, terá que ser amanhã mesmo, não quero passar o dia com sono.

É só você acordar tarde. Vamos... Sobre o que quer falar?

Boa noite!

Decido acabar essa conversa, aliás, nem sei com quem estou falando.

Coloco o celular no bolso e me levanto, indo em direção à casa.

Pego minha roupa de dormir, minha toalha, pasta dental, escova de dentes e um sabonete e me direciono ao banheiro. Por sorte só têm três pessoas à minha frente.

— Sam! — Ouço a voz de Lia chamar meu nome. Viro em sua direção. — Vai banhar pra dormir?

— Não. Pra ficar limpa mesmo. — Sorrio.

Oh! Saliente! — Fala me lançando um olhar divertido.

— É sério. Não sabia que eu banho pra ficar limpa?! — Arregalo os olhos como se eu não estivesse sendo totalmente irônica e vejo-a revirar os olhos. — Sim, vou dormir, e nem gaste suas cordas vocais tentando me fazer mudar de ideia.

— Eu?! Pra quê eu iria fazer isso?!

— Eu também não sei. Mas não me importo de você gastar suas horas vagas até o toque de recolher conversando com o Samuel. O azar é seu.

— Nem vem, Sam! Eu tenho uma coisa muito séria pra tratar com o Vitor.

Uhm... Que coisa?

— Amanhã te conto. Boa noite! — Ela fala e nem espera que eu responda, só vira de costas e vai andando.

— Boa! — Respondo mais pra mim mesma do que pra qualquer outra pessoa.

Espero mais alguns minutos e chega a minha vez. Tomo banho, escovo os dentes e vou direto para minha cama. Pego meu celular pra enviar uma mensagem aos meus pais e me deparo com mais um aviso de mensagem. Nem preciso adivinhar quem a escreveu.

Que tipo de assunto devemos puxar quando a pessoa fala "boa noite"?

Rio para mim mesma. É óbvio que não vou responder a essa mensagem.

Envio a dos meus pais, coloco o fone de ouvido e fecho os olhos. Ainda bem que o barulho já diminuiu.

Acampamento de InvernoWhere stories live. Discover now