VINTE E TRÊS

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Tudo poderia parecer uma farsa, mas nós participamos dela e não havia como mudar que Bil estava doente e que lhe restava muito pouco tempo de vida. Ele era o homem que eu escolheria e amaria, apesar de tudo que eu sabia agora. Era o pai da minha filha, e eu faria de tudo para que seus últimos momentos fossem os mais tranquilos possíveis.

Thaís Braz.

Há alguns dias Carla vinha reclamando do afastamento repentino da sua amiga Juliette. Dizendo que ela estava diferente e distante e que ficou assim depois de seu último encontro com a Sarah Andrade.

Andrade. A casa da família que me recebeu quando vim fazer um intercâmbio nos Estados Unidos.

Eu sou brasileira e assim que terminei o ensino médio aos dezoito anos, procurei por alguns programas de intercâmbio, eu não sabia exatamente o que fazer da minha vida ainda, eu era nova e queria conhecer o mundo antes de entrar em rotinas desgastantes de trabalho e estudos.

Com a ajuda da minha mãe, arrumei toda a papelada necessária para mim poder viajar.

Aos dezoito anos fui sozinha para Nova York, um lugar completamente desconhecido, pessoas desconhecidas, costumes diferentes. Eu me sentia um peixinho fora d'água ali.

Mas graças a família Andrade eu consegui me adaptar rapidamente a nova vida.

Eles eram uns amores comigo, nunca deixavam faltar nada para mim, viviam preocupados comigo. Eles me tratavam como se eu fosse filha deles e bom... Eu acabei por os adotar como pais também.

Eles eram a personificação de família perfeita. Tinham uma estabilidade financeira ótima, eram atenciosos, carinhosos e principalmente prestativos, eles não mediam esforços para ajudar quem quer que fosse. Tinham trabalhos excelentes, Sr. Andrade era um grande empresário no setor de eventos e Maria Abadia uma juíza bastante conhecida no estado. Sempre que podiam viajavam para afim de fugir da loucura da cidade grande, tinham bastantes residências em seus nomes, carros, até mesmo um veleiro.

Mas como sabemos nem tudo é tão perfeito. Eu via a troca de farpas entre Maria e a filha única do casal, Sarah.

Tinha noites que quase não conseguia dormir por conta das discussões intermináveis das duas. Geralmente eram sempre sobre a mesma coisa, o afastamento de Maria. Eram discussões tipo:

"Você, uma juíza reconhecida por todo o estado, que protege mulheres indefesas e criancinhas desamparadas, mas não consegue ver que a sua própria filha sofre com a sua ausência. Queria minha mãe por perto, sem sentir repulsa de mim. Porque se eu sou assim, a culpa é inteiramente sua."

Eu via o quanto a Maria sofria com isso. Era doloroso ver a mulher chorando de soluçar toda encolhida no sofá por causa das palavras proferidas pela filha.

Por volta dos seus dezoito anos, Sarah passou a achar que sua mãe não gostava dela por conta da sua condição intersexual, que por isso a mais velha sempre ficava afastada da filha, mas não era nada daquilo. Maria Abadia tinha uma doença degenerativa, a Esclerose Lateral Amiotrófica, ela me contou que descobriu pouco tempo depois de eu ter vindo para cá. Maria não tinha coragem de contar para a filha o que estava acontecendo consigo, não queria que sua filha sentisse pena dela, então Maria passou a se afastar de Sarah. Tinha dias que Maria ia ao médico fazer os exames e voltava acabada para casa, ficava o dia inteiro trancada no quarto e não queria receber ninguém no cômodo. Sarah ficava furiosa quando isso acontecia, isso alimentava ainda mais as suas teorias sobre a mãe.

Certo dia, Maria chegou em casa e me disse que iria iniciar um "tratamento" com a eutanásia. Ela não queria sofrer por causa da sua doença incurável, preferia morrer antes disso acontecer. E devido a decisão dela, veio o pedido de divórcio pela parte do Sr. Andrade. O homem não aceitava ver a mulher se entregar dessa maneira, o que acarretou em muitas discussões entre o casal.

CHANTAGEM - SARIETTEOnde as histórias ganham vida. Descobre agora