02. A ambiguidade consome cada partícula sã que me resta

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"Sou de Haeinsa, são dois dias e duas noites de estrada até lá. Mudei-me para cá recentemente, por enquanto ficarei na casa de Yumi", contei e ele fez um sinal de compreensão. Jeongguk demonstrava interesse na conversa e isso me apetecia.

"Tu a conheces desde quando?"

"Desde nossa infância. Minha mãe vinha muito para cá quando eu era pequeno, os Son são amigos da minha família."

"Compreendo...", serviu nossos cálices com mais água. "Por quanto tempo pretendes ficar?"

"Até quando meu coração ainda quiser", respondi e ele soltou uma risada soprada, quase incrédula.

"Tu me pareces muito liberto."

"Tu não és?", alfinetei, e Jeongguk me ofereceu um sorriso melancólico conforme baixava os olhos para teus sapatos majestosos. Teu silêncio foi a resposta para minha pergunta. Compadeci-me. "Sabes, ninguém é liberto por completo. Eu finjo ser, mas também carrego minhas próprias amarras."

"Alguns têm mais amarras que outros."

Calei-me. Aquilo me atingiu de uma forma que não sei descrever, ao mesmo tempo que aumentou em mim a sensação de que eu o conheço de algum outro lugar. De outras vidas, para ser mais exato. E a sensação de que ele também me conhece possui a mesma medida. Só fui capaz de pronunciar um: "É..."

"É", repetiu e mudou a expressão. "Bom, é hora de voltar. Não vais dançar de novo?"

"Vou." Sorri e o acompanhei. Mayumi soltou um gritinho entusiasmado após ver teu noivo de volta.

Durante o baile, eu e Jeongguk não tivemos tempo para trocar mais palavras, mas a colisão de nossos olhares e os sorrisos gentis que compartilhamos foi o bastante para que eu rapidamente simpatizasse com ele, Diário. Deveria ser um pouco estranho, não? Na teoria, acabamos de nos conhecer.

Mas não é bem isso.

Ao final da noite, despedimo-nos com um aperto de mãos. Já te disse o quanto a textura da pele dele é macia? É admirável. Apreciei quando teu polegar resvalou sobre as costas de minha mão, numa carícia delicada.

"Espero que possamos nos ver de novo, Jeon. Yumi me contou o quanto tu és ocupado", falei enquanto nossas mãos continuavam juntas. Sorrimos.

"Honestamente, não temo pela minha falta de tempo, mas sim pelo quão fugidio tu és, Kim. Sequer sabemos se estarás aqui na manhã seguinte, temo não voltar a encontrar-te." Tua fala me arrancou um riso doce, lembro-me bem. Lembro também do calor que senti no peito.

Quase sempre, a única sensação que prevalece dentro de mim é a de que não pertenço a esse mundo, a essa sociedade. Todavia, no baile experimentei uma dose de bem-estar. O modo como Jeongguk reagiu tão bem à minh'alma etérea trouxe-me um sentimento de conforto. De encaixe.

Jeongguk é um cavalheiro. Ele e Son Mayumi foram feitos um para o outro, formam um belo casal. Até logo.

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30 de junho de 1790.

Querido Diário,

Hoje foi meu primeiro dia de trabalho no escritório de finanças e de serviço postal e compatibilizei-me com meus afazeres. Lee Yeong, meu chefe, é um senhorzinho reservado e que só pronuncia as palavras necessárias. De vez em quando, se comunica apenas com acenos de cabeça e gestos com as mãos. É ele quem cuida da parte financeira, já o teu filho mais velho é responsável por administrar o serviço postal. Fui contratado para ajudá-los com a organização de documentos e, por consequência, serei ajudado também.

Em uma outra vida, eu serei o teu garoto | taekook [🕊️]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora