- Ele está bem. - Mary sorriu para mim. - Acabei de ajeitá-lo e aplicar a pomada em sua pele.

- Vou fazer tlês anos. - Cecile dizia, enquanto eu ia até a cama e sentava na beirada, acariciando os cabelos ondulados de Bil. - Mamãe vai fazer bolo! Quelo de chocolate! Você vem, tia?

- Claro! Não perderia por nada! Quando é o grande dia?

- De quê?

- Ora, do seu aniversário!

- Ah! - Ela riu. - É dia... Quando mamãe? Quando é?

- Treze de julho. - Falei.

- Tleze de juio. - Cecile repetiu.

Eu acariciei o rosto de Bil e percebi suas pálpebras tremerem. Parei com a mão em sua face fria e amarelada, quando ele gemeu de leve e abriu um pouco os olhos.

- Bil, sou eu... Juliette. - Inclinei-me sobre ele, sorrindo com lágrima nos olhos e tocando sua mão com carinho.

- Ju-Jul... - Quase não pude ouvir a sua voz baixa e fraca. - Juliette.

- Sim, Juliette.

Cecile levantou-se correndo e agora se apoiava em meu ombro, fitando o pai com os olhos bem abertos.

- Ele acordou! - Ela sussurrou em meu ouvido, surpresa. Mary também se aproximou, mas só ficou observando.

- Juliette e Cecile. Nossa pequena Bil. - Sequei os olhos disfarçadamente.

Ele parecia confuso, seu olhar perdido e sem foco. Seus lábios tentaram formular palavras, mas só conseguiu sair após algumas tentativas, com voz baixa e rouca.

- Ela sabe que eu não queria... Eu não queria. Mas ela ficou... Em cima. Era bonita. Pode me perdoar, Juliette?

- Claro, Bil. Não se preocupe. - Ele misturava lembranças do passado. Devia estar falando de uma das vezes em que me traíra. Era a primeira vez que admitia. Eu nunca tivera certeza.

- Ela estão sempre querendo. Mas eu prometo... - Ele respirou, cansado e fechou os olhos.

Tive medo que ele voltasse à inconsciência e chameio-o:

- Bil, fala comigo.

- A Cecile está chorando. - Ele murmurou, abrindo os olhos.

- Não estou. - A menina disse baixinho. - Olha eu aqui!

Ele franziu o cenho, tentando enxergá-la.

- Cecile?

- Oi papai! - Ela sorriu, toda feliz. - Você dormiu muito! Vai ficar acordado? Vem comer o meu bolo de chocolate!

- Minha mãe não gosta dela. Ela é rica e caidinha por ela. - Bil falou e Cecile não entendeu nada, olhando para mim. Abracei-a com carinho.

- Ele está meio dormindo, meio acordado. - Sussurrei para ela. - Não escuta direito. Por que não vai até a cozinha com Mary ir fazer o bolo?

Ela olhou para o pai, na dúvida. Eu tinha medo que ela ficasse ali e se magoasse. Bil não estava completamente consciente e às vezes se tornava agressivo.

- Bolo de chocolate! - Mary se aproximou e lambeu os lábios exageradamente. - Se não for comigo vou comer tudo sozinha!

- Não! - Cecile gritou e saiu correndo do quarto, rindo com Mary ao seu encalço.

- Bil, sou eu, Juliette. Pode me ouvir?

- Ju, quanto foi aquela casa que a mamãe comprou? Droga! Uma porcaria! Quero uma bem melhor!

- Tudo bem, Bil.

- Ele morreu. Que sorte danada! Só um ano casada e mamãe ficou rica! - Ele sorriu, repuxando os lábios ressecadas.

A doença deixava-o com muito mau hálito. Peguei um copo de água que deixava sempre ao lado da cama, para molhar seus lábios.

- Beba um pouco de água, Bil.

- Deixa-me em paz, mãe! - Franziu o cenho irritado. - Vá cuidar da sua vida! Por que não vai correr atrás daquela sua enteada de merda?

Escutei o que ele disse e fiquei parada, segurando o copo firmemente. A única enteada que a mãe de Bil tinha era Sarah.

- Fala da Sarah, Bil?

- Quem mais podia ser, mãe? - Estava com raiva, os olhos fixos em um ponto atrás de mim. - Vive atrás dela! Se o Sr. Andrade descobrir que você é doida pra dar pra filha dele...

Chocada, fiquei olhando para Bil. A mãe dele dando em cima de Sarah? Bil só poderia estar delirando.

- Mas ela não quis, não é? Aquela filhinha de papai mimada odeia a gente! E você só piora tudo! Se não tomar cuidado ela envenena você.

- Bil...

- Me deixa, porra! Cadê a Juliette? Foi para a merda daquela faculdade de novo? Ela agora é rica! Que idiota!

Tentei não ligar para o que ele dizia. Segurei a sua cabeça e aproximei o copo de sua boca. 

- Aqui. Só um pouquinho de água.

- Juliette? Mãe?

- Sou a Juliette. Isso. Só um pouquinho. - Ele bebeu um pouco, com dificuldade. Depois travou os lábios e não quis mais.

- Me solta, porra! Estou cansado e amanhã vou sair com a Karol. Tenho que inventar alguma desculpa para a Juliette. Chata do caralho, me marca juntinho. Karol... - Ele suspirou.

Pela primeira vez eu tive certeza de que ele me traía. Mas não quis me incomodar com algo do passado, que eu sempre desconfiei. A situação agora era outra e aquilo não importava mais.

- Bil. - Chamei-o, mas ele fechou os olhos.

Deixei o copo  sobre a cômoda e acariciei seu cabelo.

- Bil, fale comigo. Não durma de novo. Bil...

Mas foi em vão. Ele havia mergulhado novamente na inconsciência.

...

Enquanto eu passava roupa na sala, Cecile deitou-se no sofá para ver o desenho e eu fiquei imersa em pensamentos, confusa e surpresa com as coisas que Bil disse. Sabia que não era mentira. Ele apenas falou coisa que aconteceram, sem conseguir se localizar no tempo.

Por um lado fiquei mais tranquila. Isso significava que ele não estava consciente de estar doente na cama. Não reclamara dos membros paralisados, nem dores ou incômodos.

Mas saber que ele me traía, das vezes sem contar que quase saía de casa e ele sempre me convencia que era ciúme bobo, que ele me amava, deixou-me com uma vaga sensação de que meu casamento fora uma farsa maior do que eu podia  imaginar. Mas como eu podia reclamar? Eu ainda era casada com ele e transava com a Sarah.

O que me deixara mais chocada fora descobrir que a mãe dele deu em cima da Sarah, casada com pai dela. Eu nunca pudera imaginar algo assim. Tentei lembrar da época em que morei com eles na mansão. Lembro que Sarah nos desprezava, nos acusava de exploradores e das vezes em que me dissera que minha sogra só se casou com pai dela por dinheiro. Eu sempre desprezara por isso, mas depois do que o Bil disse, já não tinha tanta certeza.

Seria esse motivo que levou Sarah a sair de casa e ir morar sozinha? O pai não teria acreditado nas suas acusações contra a esposa?

Lembrei que a mãe de Bil foi mãe solteira aos dezessete anos e morou ao lado de nossa casa. Sempre foi linda, de parar o trânsito. Ela devia ter feito a cabeça do Evandro para não acreditar nas coisas que Sarah dissera.

CHANTAGEM - SARIETTEWhere stories live. Discover now