Sempre

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No meio do ano passado chorei. Não, chorar é reduzir. Entrei em desespero pois me dei conta que não sentia mais nada, me conformava com pouco ou com muito, não importava. Os dias, meses, anos viraram uma grande conformidade. Acabar um curso, arrumar um emprego, manter alguém do meu lado. Nada me parecia desafiador o bastante e nem sequer interessante. A verdade é que faltava tesão em tudo. Quando me dei conta da falta de vontade de viver que eu estava vivendo, o desespero me caiu como uma luva. Me embriaguei, desejei outras pessoas, travei uma guerra contra mim mesma. Passei a sentir de novo, sentir de mais, cavei dentro de mim possibilidades, vontades e brinquei com elas. Só brinquei, na superfície, tive medo. Medo de me afogar em mim, e ao mesmo tempo desejei fazer uma grande cagada na minha vida, uma cagada tão grande que eu parasse no meio do turbilhão e pensasse: "Caralho, o que eu vou fazer?". Mas não fiz a cagada. Tive muito medo, me caguei de medo de viver. E fui voltando à conformidade. Não sei o que me segura. O desejo pelo desconhecido é grande, quero, tenho, sou dessas que quer experimentar tudo de uma vez mas teme a mistura das coisas, teme a confusão, teme os outros, o que os outros vão pensar, pelo amor de Deus. E ao mesmo tempo, segue dizendo, não ligo pra eles, fico bem sozinha, meus livros, minhas séries, meu quarto e cachorro. Fodam-se todos, vou lá e fazer o que esperam de mim e nem sequer vão pensar em mim no final. Vou ser esquecida e indiferente, vou viver uma ficção na minha cabeça, custe quantos livros custar. Mas eu quero. Como eu queria naquele dia que doeu tanto, mas senti tanto prazer. Me senti tão livre e tão sua, lembra? Aposto que você lembra. Nunca me esqueci, tanto não me esqueci que fico nessa montanha russa que não despenca, nessa roleta russa que não tem bala nenhuma mas que ninguém sabe de verdade que a porra da bala não está ali. Tenho medo de explodir, até as crises de ansiedade são de fácil controle, isso se chama estabilidade ou tédio? Autoconhecimento ou auto boicote? Vida adulta é a minha buceta que eu não respeito há anos. Onde eu enfio isso tudo? Sei como manter os desejos sob controle, debaixo do tapete, mas não sei deixar de desejar, ou sei, mas não quero deixar de desejar. A minha complexidade me assusta, então imagina o quanto assusta você. Te assustou, mas de boas. A gente foi, e foi lindo, sério. Agradeço muito que pelo menos naquele momento eu não me importava de ter alguém, você que não pedia permissão. Fazia o que queria comigo e de mim. Não me importava me contentava em sentir. Aquilo foi tão profano e tão autodestrutivo, que eu tive que buscar a sacralidade, sacas? Fui pro templo, vivi lá, me curei do baque. Não me curei de você. Fingia estar curada. Até que um tempo depois eu amei de novo, e amei pela primeira vez tendo algum controle nas mãos, me senti bem por um tempo, até que eu quis de novo perder o controle, e é sobre esse período que eu estou falando. Não te busquei, juro. Te acessei em pensamento, como eu sei que você recebeu o sinal também. Lembro de você de longe, fazendo a curva e seus lábios pronunciando meu nome, eu estava longe por isso não ouvi, mas estava olhando pra você e eu vi um sorriso, mas não sorri de volta. Congelei por uns trinta segundos. Até que você se foi, ainda com um sorriso no rosto. Fiquei ali, olhando pro tênis all star branco de couro, encardido e pro asfalto de quase 500 anos. Difícil se recuperar, mas já estou calejada. Respirei umas 50 vezes, caí no choro e fui. Vivi os dias, ansiando pela maior cagada do século que eu poderia dar, quem sabe pra depois me reinventar. Tentei descrever o que sinto pra tanta gente, mas tanta gente. Desde meus professores, até pra aquele amigo doido que tenho, que parece estar interessado em me ouvir, mas no meio da conversa arruma algo melhor pra fazer. Acho que você me ouviria do início ao fim, como naquele dia que eu disse que achava que a música "Delicate" do Damien Rice falava na verdade de duas pessoas como a gente, e como nossa história estava contada ali, minha paixão por Jeff Buckley e você com sua mania de desdenhar das coisas que gosto, sem deixá-las de curtir comigo todas as vezes. E como a gente se amava em silêncio, se olhando, como se qualquer barulho pudesse estragar aquilo, aquele intensidade. E as vezes em que fomos barulhentos fomos da briga, dos beijos violentos, às lágrimas e o silêncio absoluto. Acho que descobri o que me segura. O que me traz a conformidade tão já citada, acho que são nossas lembranças e a certeza de que já vivi demais, já senti muito mais, tanto que ainda me recupero. É como se a única maneira de viver fosse ignorando tudo isso, e tentando ser uma versão menos fodida de mim mesma, senão como poderia viver aspirando aquilo que já foi: nós dois.

ps: não era pra ser sobre você. sobre nós. só sobre mim.

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⏰ Última atualização: Jun 27, 2021 ⏰

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