Prólogo

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O ponteiro do relógio está girando. Tic Tac. E você sabe que a cada novo girar pelos números, mais tempo é roubado. Tem consciência de que serão menos minutos com quem ama, com quem odeia, com quem ainda pretende odiar. Menos juventude no coração... Um passo a mais dado em direção à morte.

Só não sabe, porém, porque tememos esse passar tão indesejado de segundos.

É essa imagem do fim. Como? Quando? Aonde? Ninguém, porém, quer uma resposta; desejamos apenas a ilusão de que há uma saída. Temos medo de morrer porque lá nos recantos de nosso ser nos perguntamos se realmente existe um final. Aliás, o que de fato nos amedronta não é morrer, e sim o que vem depois disso. Se, depois da vida, há coisas piores do que o mundo em que vivemos.

Não há como negar, todos os dias crescem tempos ruins. Brotam de uma lágrima, nascem de um flamejo do fogo que os acendeu. Não existem barreiras, bem como não existem motivos. Eles simplesmente vêm como flechas disparadas de um arco. Depois que chegam, não há volta. Não há como fazer com que o brilho do sol volte a ser o mesmo, com que a natureza siga seu curso do modo que era antes. Tudo o que você conhece sempre estará em constante mudança. Não pode parar ou desacelerar. Quando as sombras encobrem a Terra, traçam o destino de todos os que lá vivem. Poucos, entretanto, são os que defendem o bem, a luz que irradiaria em toda a escuridão em épocas como estas. Pois todas as esperanças se vão; elas se desmancham no ar como pó. Afinal, do que adiantaria manter a fé se tudo o que conhece está em ruínas? Se não há motivos para resistir, para crer que ainda haverá saídas, ou até um final feliz, por que não entregar as armas e desistir?

Porque sempre há motivos.

Aqueles que permanecem com a coragem presenciam algo inovador. Ao se agarrar a uma força, qualquer que seja ela, você tem um motivo para continuar. A menor das coisas pode mudar o rumo de tudo. A mais insignificante das ideias pode salvar vidas. E, quando encontramos esse tesouro, tão pequeno que cabe em nossas mãos e tão grande que ultrapassa a gravidade, percebemos que nada vale mais do que a persistência. Enfim, quando menos esperamos, a flor cresce no deserto. Aquele último fio de otimismo que tínhamos é revelado e percorre por todo nosso corpo. As batalhas são vencidas; os medos, destruídos. E quando tudo se acabar e olhar o sol ou observar a natureza novamente perceberá que tinha razão - tudo mudará. O brilho do amanhecer será maior, mais radiante, mais inacreditável. As florestas, mais verdes; os mares, mais límpidos. E sentirá em seu coração que todas as preocupações e receios eram ridículos se comparados ao que aconteceria se não tivesse batalhado.

Ao menos era no que eu preferia acreditar.

Cada vez que tento me lembrar do que me trouxe aqui hoje, eu visualizo apenas as mais diversas faces da morte que já presenciei. A dor fez nascerem trevas que adormeciam nos cantos escuros das masmorras de Hergos. A fúria dos inimigos dominou tudo o que conhecíamos, que amávamos e que era vivo. Não houve exceções, pois não havia piedade. A escuridão domou a luz e toda a esperança de nossos corações acabou se transformando em medo. Afinal, não adiantava correr, lutar, resistir. Não tínhamos mais nada. Sobretudo, ainda desconhecíamos nossa própria força. Se a única coisa que nos prendia ao fio que ligava a vida da morte, a destruição da liberdade e o mundo do fim que tanto se aproximava era lutar, então lutaríamos. Se morrêssemos, morreríamos ao menos com dignidade, com a honra que nos fora tirada. Quando não há o que perder, a derrota não parece ter um gosto tão ruim e a vitória é uma possibilidade irrecusável.

Por enquanto, porém, não há mais nada que eu possa fazer senão esperar. Ficar observando o relógio no alto da parede de minha cela, colocado ali apenas para zombar de mim. Para que eu possa fazer minha própria contagem regressiva.

Tiquetaqueando.

Fecho os olhos, ignorando a dor que lateja em meus pés acorrentados. Largada aqui, neste império de desolação inóspito, presa numa cela escura à espera de um futuro que me preenchia de más expectativas. Ignorando a perda de meus sentidos, de minhas dores, de minha vida. Esquecendo-me do presente que me aprisiona e me lembrando de cada dia, desde que Randy entrou em minha vida. Flashes se passam em minha mente, e me sinto voltando no passado, mergulhando num longínquo mar de lembranças, banhada pelo rio de lágrimas que inundam meu rosto.

E lá estou eu, quando ainda era eu.

ULTRAVIOLETA | A Monarquia das RosasWhere stories live. Discover now