Capítulo 1

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O som do despertador estava diferente naquela manhã

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O som do despertador estava diferente naquela manhã.

Por tudo que havia de mais sagrado, era pedir muito só mais cinco minutos? Ainda de olhos fechados, tateei o chão até achar o celular, meu dedo deslizando para o lado e me dando mais cinco minutos para morrer na cama.

Não era meu alarme.

— Tá atrasada! — foi tudo que Mila disse antes de terminar a ligação, alto o suficiente para fazer minha cabeça latejar, mesmo sem ter o telefone na orelha.

Quis chorar quando vi o relógio marcando nove horas. Meu corpo sentia bem os efeitos da vodca consumida noite passada, e a ânsia veio assim que coloquei os pés no chão. Quase não corri a tempo para o banheiro, a derrota tomando conta de mim enquanto eu esvaziava o nada que tinha no estômago dentro da privada.

E começava mais um dia de ressaca. Ainda devia ter algum remédio na gaveta da cômoda, torci, sentindo meus olhos lacrimejarem. Odiava vomitar, mas odiava ainda mais as manhãs que me davam calma o suficiente para pensar. Sorte a minha, aquela não era uma delas.

Debruçada na privada, desperdicei uns bons cinco minutos. Melhor do que as muitas horas perdidas nos últimos anos, afirmei, me levantando e achando o enxaguante bucal. Havia horas demais em cinco anos, os cinco minutos perdidos sendo insignificantes quando comparados aos desperdiçados com ele.

Respirei fundo, o espelho revelando a maquiagem derretida que precisaria tirar com pressa no chuveiro. Já eram nove e dez, e se corresse, daria tempo de pisar na faculdade em menos de meia hora. Não que eu fizesse questão de correr, a água morna que caía no meu corpo cansado trazendo o primeiro — e talvez único — momento de relaxamento da manhã. Outros cinco minutos perdidos depois, escutei meu telefone tocando mais uma vez, finalmente lembrando do motivo que me fazia escolher a pressa.

Com a certeza de ainda ter condicionador nos cabelos, vesti o primeiro jeans que encontrei limpo, e esqueci que usar regata branca nem sempre era uma boa escolha sem um sutiã por baixo. Ignorando a necessidade de pegar qualquer casaco, cobri os olhos com óculos escuros gigantes, coloquei ibuprofeno na mochila e tranquei a porta do apartamento.

O mundo ainda rodava quando pisei na calçada, o sol de março fazendo minha pele arder. Morava a duas quadras da estação Vila Madalena, e minha mente exausta decidia que o transporte público era a melhor opção. Queria ter pegado o carro, mas não estava em condições de dirigir. Poderia ter chamado um Uber, só que também não tinha tempo sobrando para arriscar ficar presa no trânsito de São Paulo.

Desisti de chegar a tempo na aula quando o metrô parou pela segunda vez, a lerdeza da linha verde me fazendo querer, como sempre, gritar. O celular no bolso vibrava com mais uma mensagem e eu já deveria estar correndo escada acima, ao invés de me apertar no meio daquele monte de gente na estação Sumaré.

Olhei para a tela do celular: menos de uma hora para começar a prova, justo da matéria na qual mal havia aparecido desde o começo do semestre. Sabia que não teria tempo de ler nada antes de pisar na sala de aula. Nem mesmo carregava qualquer material comigo, eu muito empenhada em falhar em tudo menos uma coisa desde o meio do ano passado. Passar em Inteligência Competitiva não era aquela coisa.

Peça - Degustação (Trilogia Peça-Chave, Livro 1 - Amazon)Where stories live. Discover now