Prólogo

3K 337 636
                                    

hs

Olho a lojinha de conveniências à minha esquerda enquanto termino de abastecer, completamente tentado e desejando alguma coisa gordurosa. Meu estômago reclama e discuto momentaneamente com ele sabendo que se eu ficar por mais um segundo vou acabar me atrasando ainda mais. O vento fresco, apesar do sol, faz eu considerar trocar meu suéter lilás de crochê por uma camisa e fico cansado das discussões que travo comigo mesmo.

Entro no carro e checo a distância mostrada no Google Maps. Ainda não estou atrasado, mas pela conta sei que vou chegar faltando apenas vinte minutos para minha aula. O que não é bom, vale dizer, já que não conheço a academia e sei que a quantidade de vezes que novatos se perderam por ali não é pequena. Não tenho dúvida que serei mais um deles.

Ligo o carro e começo a dirigir, pensando sobre como eu poderia simplesmente não ter adicionado Escultura na minha lista de classes e me poupado de precisar sair apressado. Balanço minha cabeça e ignoro meus próprios pensamentos enquanto enrolo o dedo indicador em meu colar de pérolas. No fundo, sei que é uma das coisas que eu sempre quis aprender depois da faculdade e nunca tive a oportunidade ou tempo e, justamente agora, tenho os dois e estou aqui discutindo comigo mais uma vez.

A sensação é de que apenas duas músicas passaram quando chego a academia, distraído demais murmurando as letras da minha banda preferida (e às vezes coisas completamente aleatórias e fofas na estrada), mal percebi o tempo passando. O lugar está um pouco afastado da cidade, uns cinquenta minutos dirigindo e noto a quantidade de verde pela região quando paro no que parece um guichê de informações. O clima começa a esquentar um pouco, então sei que fiz a escolha certa em colocar tantas bermudas na mala.

— Bom dia, em que posso ajudar? — Uma moça de cabelos cacheados, completamente hipnotizantes e magnéticos, pergunta. Ela usa um boné azul estampado com um "i" e supor que seja de informação é o razoável, eu acredito.

— Sou novo aqui e por pura má administração de tempo tô um pouco atrasado. — Suspiro e faço um biquinho infantil. — Se puder me dizer a direção para o prédio das aulas você seria minha salvadora!

— Ah, claro! — Ela se inclina sob a bancada para facilitar, apontando para sua direita. — Só seguir reto, vai passar por um bar à sua esquerda e achar o estacionamento à direita. Depois disso, é só virar na primeira direita e seguir reto e você vai ver o portão do prédio.

Seu sorriso estonteante demonstra a felicidade de poder ajudar, felicidade genuína, como se estar ali auxiliando alunos enrolados e perdidos fosse uma escolha sua. Minha cara logo denuncia que me perdi na primeira informação e ela percebe isso rapidamente.

— Vai reto e procura o estacionamento à sua direita. — Ela se permite rir, sem maldade no gesto. — Logo você vai ver a sinalização para o prédio, tenho certeza que vai se achar.

— Obrigado! — Digo aliviado, se eu estivesse com tempo sairia do carro e daria um abraço nela. — Minha salvadora, obrigado de verdade!

Digo "tchau" a ela sem tempo para prolongar aquela conversa. Subindo a rua tentando seguir suas orientações, encontro o estacionamento e, virando e andando mais um pouco, percebo a distância que preciso subir a pé, o carro já estacionado.

Depois de muita luta (lê-se minha asma quase atacando) e ajuda da moça da recepção, consigo chegar à sala designada para a classe de escultura. Mal tive tempo pra digerir o tamanho do prédio e as milhares obras espalhadas pelos corredores quando recebo os olhares das pessoas pontuais (ao contrário de mim) já sentadas em seus bancos em frente aos cavaletes.

— Olá. — O professor, pelo menos é quem acredito que seja, diz meio duvidoso. — Posso ajudar?

— Eu sou novo, acabei de chegar. — Digo entrecortado pela respiração ainda recuperando o fôlego. Percebo minha mão no colar como sempre faço quando estou nervoso e abaixo. — Harry Styles, devo ter conversado com você por telefone.

Chiaroscuro [l.s]Where stories live. Discover now