ele disse, oi!

15 1 0
                                    

Eu nunca havia notado sua existência até aquele momento.

- Você tem horas? - ele perguntou com um tom de voz tímido e retraído.
Eu notando o relógio em seu pulso franzi minha testa desconfiado, tentando entender tal situação.
- 17:36 - respondi sério.

Ele então abriu um pequeno sorriso e se afastou, sem nem agradecer.
Talvez eu o tenha assustado com minha cara fechada.
Realmente nunca o havia visto no escritório onde trabalhava.
Eram muitos funcionários e a bolha em volta de mim, não me permitia olhar para os lados.
Sempre tive poucos amigos, e isso sempre funcionou bem pra mim.
Mas havia algo estranho nisso tudo.
Não fazia sentido ele querer saber as horas se tinha um relógio no pulso.
E fora isso, havia um relógio enorme bem no centro do escritório.
Será que isso foi um pretexto, para falar comigo?
Ele era um cara bonito, mas não fazia exatamente meu tipo.
Então essa tentativa dele com certeza foi em vão.
Sem contar que acabei de sair de um relacionamento frustrante.
Não penso em ficar com outro cara, tão cedo assim.

- Pedro? - alguém me chamou de repente.
Era Maria, a assistente da minha chefe. Em suas mão estava uma pilha de documentos, quase que interminável.
- Fala - eu disse com um sorriso forçado.
- Preciso que confira esses documentos, para mim. A Doutora Amélia disse que é urgente.
- O quê? Quando? Agora?
- Sim.
- Você viu a imensidão dessa pilha de papéis? Isso é quase do tamanho da torre Eiffel. Sem chances de acabar isso antes do fim do meu turno. Faltam 30 minutos para ele acabar.
- Então faça algumas horas extras, é simples.
- Hoje é sexta feira.
- Eu sei. Inclusive já estou indo embora, tenho uma festa de aniversário para ir.
- Uau, que legal. Você se diverte e eu me ferro. É isso?
- Você devia tentar, ser menos antipático, sabia? Por isso que ninguém aqui gosta de você.
Eu revirei os olhos.
- O porteiro gosta de mim, talvez seja por conta do boquete maravilhoso que fiz nele, mas ele gosta.
Maria me olhou horrorizada, deixou a pilha de documentos em cima da minha mesa e saiu o mais depressa que pode.
- Merda! - eu falei irritado.

Me levantei e fui até o refeitório, enchi um copo descartável com café preto e sem açúcar.
Voltei para minha mesa, encarei a pilha de papéis e tomei um gole.
Suspirei desanimado diante do que me esperava.

                                     ***

Analisar os documentos levou mais tempo do que eu esperava, três horas e meia, para ser exato. O escritório aparentemente estava vazio.
Eu peguei minha mochila e saí com passos vagarosos.
Todas minhas tentativas de conseguir um uber falharam, aparentemente nenhum dos motoristas queria se arriscar com um passageiro negro, que queria pagar com dinheiro aquela hora da noite.
Não haviam mais ônibus também.
A rua onde ficava o prédio, em que trabalhava estava vazia.
A agitação toda acontecia do outro lado da cidade.
Eu teria que andar três quilômetros a pé, até a próxima estação. Torcendo para conseguir pegar o último trem para casa.
Escondi o celular em um lugar estratégico e comecei a andar.
Alguns metros depois, percebi que havia um carro andando devagar do meu lado.
Meu primeiro instinto foi pensar em correr, mas não o fiz.
Continuei andando firme, sem olhar para o lado.

- Oi - um homem gritou do carro.
Eu ignorei completamente.
- Quer uma carona?
Mais uma vez, fingi não ouvir.
- Trabalhamos no mesmo lugar. Eu falei com você hoje, te perguntei a hora.
Eu parei de andar e olhei para ele.
O olhar meio tímido, azul feito o mar. E o cabelo loiro.
O reconheci na hora.
- Você está me seguindo? - foi a primeira coisa que falei sem pensar.
Vi o momento em que seu rosto ficou corado.
- Não. Eu juro que não. Eu saí do trabalho agora, e te vi aqui. Pensei que você quisesse uma carona.
- Você estava trabalhando até agora também?
- Sim, no almoxarifado. Eu trabalho no almoxarifado.
- Entendi.
- Vai querer a carona?
- Não. Eu vou andando mesmo.
- Pra onde você está indo?
- Estação. Se ir rápido consigo pegar o próximo trem pra casa.
- Eu te levo.
- Obrigado, mas eu não te conheço. Não posso aceitar uma carona de alguém que não conheça.
- Gustavo. Esse é meu nome.
- Legal. Eu tenho mesmo que ir agora, Gustavo. Obrigado por me oferecer carona, mas eu realmente, não posso aceitar.
- Eu só quero te ajudar. Que problema tem nisso? E você está nitidamente cansado. Eu posso até te levar em casa se quiser.
- Não sei se é uma boa idéia.
Ele abriu a porta do carro e sorriu.
Eu apenas assenti e entrei sem pensar duas vezes
Embora não quisesse admitir a carona viria muito bem a calhar.
Gustavo deu partida no carro.
- E então, onde você mora?
- Canoas.
- Sério? Eu também. E você quase, não aceitou minha carona sendo que estamos indo pro mesmo lado.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: May 30, 2021 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

ele disse, oi!Onde histórias criam vida. Descubra agora