🎀 capítulo 01 🎀

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O som alto do vizinho, em vez de me irritar, me faz querer levantar e dançar.
— Foco, Aurora, você precisa terminar esse livro ou Mari vai te xingar novamente — digo a mim mesma.
Foi um sacrifício convencê-la a me emprestar, ela morre de medo de estragarem seus preciosos tesouros. Lembro-me de um dia que deu um baita sermão em uma antiga “amiga” por ter devolvido o livro que emprestou com marcas de caneta na capa. Desde então ela não emprestava pra mais ninguém.
A música que está tocando agora é eletrônica e meus dedos se movem involuntariamente. Olho para a porta do meu quarto, para ter certeza de que está fechada, e então me levanto e começo a me requebrar de um lado para o outro, seguindo a batida da música. Meus cabelos balançam junto comigo e observo, divertida, meus passos no reflexo do espelho.
— Requebra mais, Aurora! — Escuto a voz de Nando e me volto para ele, encontrando-o sorrindo com o celular na mão.
— Nando, você estava gravando?! — Ele nega, mas a risada o entrega. — Eu não acredito em você! Me mostra seu celular.
Vou até ele e tento pegar o aparelho de suas mãos, mas ele desvia.
— Se você me pegar, deixo você ver. — Nando começa a correr pelo quarto.
— Nando, para de agir como uma criança. — Mas mesmo contrariada, corro atrás dele.
— Era você que estava se requebrando na frente do espelho igual uma adolescente, não eu.
— Claro, você dançando mais parece um robô que precisa de óleo.
O seu riso ecoa em meu quarto. Sempre gostei desse som. Só não gosto do fato de ser mais rápido que eu. Apesar de termos a mesma idade, sou menor do que ele, era pra ser mais ágil. Já estou começando a suar e não gosto disso. Uma ideia vem à minha mente. Preciso usar meus dotes teatrais. Finjo que torci o pé e me sento na cama, gemendo de dor. Nando para a sua fuga e vem até mim, o rosto pálido pela preocupação. Não deveria fazer isso com ele, mas sei muito bem o seu ponto fraco. E ele sou eu, pois sou uma irmã.
— Onde está doendo? — Seus dedos envolvem o meu tornozelo, o toque tão suave que mal sinto, e um calor estranho se espalha pelo meu corpo. Com um suspiro, eu ignoro a sensação e aproveito a sua distração para tomar o celular. Em um segundo, apago rapidamente o vídeo. — Aurora, você me enganou? — Ele sobe em cima de mim e começa a me fazer cócegas. — Eu estava aqui, preocupado com você. Mulher sem coração.
O som da minha gargalhada se mistura com a dele e tento afastá-lo, em vão. E quando Nando aproxima o rosto do meu, sinto meu coração acelerar e minha respiração ficar mais pesada. O que há de errado comigo? Meus olhos estão fixos nos seus. É estranho pensar que mesmo não sendo meu irmão de sangue, nossos olhos têm a mesma cor. Um azul tão lindo que parece mais um céu no dia de verão. Não sei por quanto tempo ficamos ali nos encarando.
— Você está bem? Suas bochechas estão coradas. — Seu hálito quente e sua voz baixa me fazem arrepiar.
— Saia de cima de mim. — As palavras saem um pouco rudes e Nando se levanta com a testa franzida.
— O que foi? Você ficou brava comigo?
— Não é nada.
Me levanto e vou até a janela. Olho para o céu e tento reorganizar meus pensamentos, meus sentimentos.
— Ei. Você sabe que pode me contar qualquer coisa. — Ele vem até mim e sua mão segura a minha. Olho para Nando sem entender o que está acontecendo aqui dentro do meu peito e a puxo de volta. — Além de irmãos, somos amigos, Aurora. Se tiver algo te incomodando, é só me avisar que darei um jeito.
— Já falei que não é nada. — Cruzo meus braços.
Vejo pela janela Henry estacionar o carro em frente a nossa casa. Um sorriso se forma em meu rosto. Já estava com saudades.
— Seu namorado mané chegou, foi? — Ele também olha para fora.
— Ele não é mané, Nando — o repreendo.
— Se você diz. — Ele dá de ombros. — Eu não gosto dele. É perfeitinho demais. Pra mim, é tudo fingimento. Agora vou pro meu quarto, não quero dar de cara com ele. — Dá um beijo na minha bochecha e sai.
Me sento na cama e solto um longo suspiro. Fico olhando para as minhas mãos, perdida em meus pensamentos. O que foi aquilo que senti? Seu toque e sua aproximação fizeram meu coração acelerar. Mas por quê?
Henry e eu já estamos namorando há dois anos. O conheci em um churrasco na casa de uma conhecida e logo de cara ele já chamou a minha atenção, tanto por sua beleza morena quanto pela simpatia. Manu e Caio aceitaram o meu namoro com ele super bem, apesar de Caio ter dito, com todas as palavras, que se Henry me machucasse, iria acabar com ele. Mas nunca senti por ele, ou por outro homem, algo parecido com o que rolou a minutos atrás com Fernando. Eu devo estar ficando louca. Fico lendo esses livros de romance erótico de Mari e depois fico desse jeito. Vendo coisa onde não tem. Onde não se pode ter.
— Oi, amor. — Henry vem em minha direção e beija os meus lábios,  um beijo rápido, contido.
— Oi, como você está?
Ele se senta ao meu lado e me abraça. Ultimamente estamos nos vendo tão pouco que até de seu perfume amadeirado senti falta, e olha que nem sou fã desse tipo. Prefiro os cítricos. Como o de Nando.
— Estou melhor agora que estou com você. — Sorrio ao ouvir essas palavras. — E você? Parece pensativa. Aconteceu alguma coisa?
— Estou bem. Não aconteceu nada. — Tento sorrir para ele. — A que devo a sua ilustre visita?
— Vou precisar viajar até a casa do meu pai. Aconteceu um problema lá com a família perfeita dele — diz em um tom irônico.
— E seu trabalho? Você sabe quanto tempo vai ficar por lá?
— Consigo terminar o projeto do novo cliente em qualquer lugar, amor. — Beija minha cabeça. — Só preciso do meu notebook, papel e lápis. E quanto ao tempo, não tenho certeza, mas acho que uma semana.
Me solto dos seus braços e o encaro sem acreditar.
— Uma semana? Não faz muito tempo que voltou de lá. — Cruzo os braços. Apesar de querer que a relação com o pai e a nova família melhore, também quero que meu namorado fique comigo.
— Eu sei, mas meu pai está precisando da minha ajuda, amor. Eu não posso deixá-lo na mão. — Ele acaricia a minha bochecha.
— Engraçado. Seis meses atrás você nem ligava pra ele. Agora vive mais lá do que aqui comigo — digo, tirando a sua mão do meu rosto.
— Amor... Nós dois tivemos uma boa conversa e decidimos que nossa relação merecia uma nova chance. Agora que estamos bem, estou tentando ajudar no que for possível, mesmo ainda não gostando da mulher dele. — Segurando meu queixo, ele levanta meu rosto e me olha nos olhos. — Você mesma disse que deveria tentar melhorar as coisas com ele, lembra?
Eu suspiro, ainda contrariada, mas entendendo o seu ponto.
— Vou sentir sua falta — é o que acabo dizendo, e o abraço.
— Eu também vou sentir a sua. — Henry beija a minha testa. — Agora vou arrumar minhas malas. A viagem pra Bahia é demorada.
Antes que ele possa se levantar, seguro o seu braço e o puxo para um beijo, mas quando está ficando mais intenso e profundo, ele para. Eu queria mais, mas pelo jeito, Henry não. Isso me desanima mais do que gostaria de admitir. As coisas entre nós já não são como antes. Às vezes é como se estivesse andando de biquíni no meio do Alasca de tão frio. O fogo, o desejo e a paixão parecem não existir mais.
— Tchau, amor. Assim que chegar lá, te ligo. — Ele se levanta e caminha até a porta, sem nem mesmo esperar a minha resposta.
— Tá — murmuro, vendo-o sumir.
Já irritada, me levanto e coloco o livro de Mari dentro da gaveta da cômoda. Ler esse tipo de coisa sem ter meu namorado por perto é tortura. Preciso me distrair. Vou para a sala e vejo Manu e Caio sentados no sofá, abraçados. Formam um casal tão lindo... Serei eternamente grata por terem me adotado quando minha mãe morreu. Quando eu era criança, os chamava de pai e mãe, mas depois que cresci, preferi me referir a eles pelo nome mesmo.
Me sento ao lado deles no sofá.
— Alguém não está com uma cara boa. Henry foi embora rápido. Vocês brigaram? — Sinto a preocupação na voz de Caio.
— Ele vai viajar pra casa do pai de novo.
— Já estou começando a achar estranho ele ir pra lá tantas vezes — Manu diz e eu me vejo obrigada a concordar.
— Está chegando a hora do jantar. Que tal uma pizza? Hoje é sábado — Caio sugere e eu sei que está tentando me animar.
— Pode ser. Vou tomar um banho e já desço. — Me levanto e sigo para as escadas.
Assim que passo em frente ao quarto de Nando, o escuto xingando sem parar. Preocupada, vou até a sua porta e bato, mas ele não responde. Abro a porta devagar e entro. O quarto de Nando é a cara dele. Limpo e organizado. Cada coisa tem o seu devido lugar. Vejo-o em frente ao computador. Vou até ele e toco o seu ombro, e ele se vira para mim com uma expressão assustada. Estou sorrindo, mas assim que avisto o que está na tela, meu sorriso cessa.
É uma foto de Henry beijando outra garota.
Lágrimas se formam em meus olhos com o sentimento de traição que cresce em meu peito. Eu não posso acreditar. Não quero acreditar nisso.
Nando se levanta e me abraça. Ali no calor de seus braços, me permito desabafar.
— Eu planejava te contar de outra forma. Não era pra ser assim. Acabei de receber essa foto.
— Ele me traiu, Nando — sussurro em meio ao soluço.
— Infelizmente sim — diz no mesmo tom. Me afasto de seus braços e vejo em seus olhos como me ver assim o afeta. Nando me leva até a cama e, quando me sento, ele limpa as minhas lágrimas.
— Como conseguiu a foto?
— Foi uma colega que tem essa garota nas redes sociais que tirou print e me mandou. Eu sinto muito, Aurora, mas pela data, foi semana passada.
Nesse momento todas as peças se encaixam em minha cabeça. Me sinto a pessoa mais burra de todo o planeta. Eu ignorei os sinais, achei que só estávamos atravessando uma fase ruim em nosso relacionamento.
— Ele não estava indo pra casa do pai dele, Nando. — Encaro minhas mãos. — Estava indo ficar com outra. Como sou idio... — Seu dedo indicador toca meus lábios me impedindo de completar a frase.
— Você não é nada disso. Você é alegre, divertida e muito inteligente. E sempre ilumina tudo ao seu redor. — Sinto minhas bochechas queimarem. Sempre fico sem jeito quando me elogia desse jeito. — Você é maravilhosa, Aurora. O idiota é ele por perder uma garota como você.
Seu rosto está a poucos centímetros do meu e ele me olha com uma intensidade que me atordoa. Meu coração acelera quando a sua mão toca o meu queixo, com a mesma suavidade de antes, e os meus olhos, inconscientemente, se fecham. Os pensamentos embaralhados demais para compreendê-los. Sinto os seus lábios tocarem os meus com delicadeza e só então a realidade me encontra.
Nando está realmente me beijando?

O Pecado De Aurora Where stories live. Discover now