Me aproximei da mesa e olhei as coisas que Carla trouxera e espalhara sobre a mesa. Controlei-me para não chorar ao ver a caixinha de leite.

- Obrigada Carla. - Ela balançou a cabeça, compadecida. Sabia que provavelmente eu não tinha dinheiro nenhum e que Cecile estava sem leite.

- Gostaria de ver você resolver todos os seus problemas, Jully. É tão jovem para passar por tudo isso.

- Tudo vai acabar dando certo. - Falei com um otimismo que eu não tinha. - Vou fazer uns ovos mexidos para gente.

- Eu só quero café puro. 

- Eu também.

Os ovos poderiam ficar para o almoço.

- Mas vai comer pão, não é? Está tão magra que daqui a pouco vai sair voando por aí.

- Vou sim. - Sorri para ela com carinho e voltei a pia para pôr o pó de café no coador. A água já fervia e eu então despejei sobre o pó. O cheiro bom de café fez meu estômago roncar e eu percebi que não comia nada há quase vinte quatro horas.

- Como está o Bil?

- Na mesma. Ainda não acordou.

- E as crises? 

- Melhoraram. - Respondi, embora não fosse bem verdade. Ele não havia dormido quase nada a noite, estava agitado. Foi um custo controlá-lo.

Carla não disse nada e eu agradeci. Sabia que ela era contra em eu deixar meu marido doente em casa. Várias vezes opinou que tudo seria mais fácil para mim se eu o internasse. Mas eu prometi a Bil que iria cuidar dele. E era o que me esforçava a fazer.

Pus o café pronto na garrafa térmica e coloquei na mesa. Peguei dois copos vazios, uma faca e me sentei em frente a ela. A manteiga tinha acabado, restava comer o pão seco ou molhá-lo no café. Despejei o líquido quente e doce nos dois copos.

- Come Carla.

- Não, já comi em casa. Obrigada. - Observou eu molhar o pão no café e comer um pedaço. - Já pensou o que vai fazer agora que o seguro desemprego acabou?

- Tenho que arrumar trabalho, mas está difícil conseguir.

- Eu sei, mas como vai trabalhar com o Bil em casa? Posso olhá-lo mas...

- Você já me ajuda muito tomando conta da Ceci. Não tem condições de olhar o Bil também, principalmente quando ele fica violento. É preciso força para conte-lo, virá-lo sempre na cama, limpá-lo.

- Eu sei. Jully, não a outra solução. Você precisa interná-lo.

Tomei um gole de café, sabendo que ela tinha razão, mas procurando adiar a solução. Eu fui mandada embora do meu último trabalho por causa de faltas. Quando Bil tinha crises no hospital, eu saía correndo para cuidar dele.

Mas não fora só isso. O meu chefe até concordou em ser mais flexível, quando contei o meu problema, mas em troca eu teria que ser boazinha com ele. Sorri sem vontade ao lembrar como eu o xinguei e como ele me mandou embora.

Desgraçado aproveitador!

Bil havia implorado mais de uma vez, quando ainda tinha consciência das coisas, que eu não o largasse no hospital. Ao ver as feridas no corpo dele, por ficar largado na cama sempre na mesma posição e encontra-lo várias vezes sujo de fezes e urina, além de muito magro, sem comer, eu o tirei do hospital.

Cuidava dele o melhor possível durante aqueles meses em que estava desempregada e recebia o seguro desemprego. Mas eu precisava trabalhar, para sustentar a casa e pagar todas as minhas dividas. Estava desesperada, com medo e com raiva de mim mesma por ter que levar ele novamente para o hospital, onde ninguém se incomodaria se ele estava com fome, frio, sujo ou com feridas.

Eu prometi cuidar dele, mas como poderia honrar minha promessa?

- E o agiota? - Suspirei. Eu devia a Deus e o mundo. Vivia me endividando de lado, para pagar o outro.

Pegava dinheiro com um agiota para pagar um mês de aluguel e não ser despejada, agora o homem mandava os capangas me cobrarem, ele estava perdendo a paciência.

Estremeci ao lembrar do grandalhão que bateu em minha porta na tarde anterior. Eu pedi mais um prazo para arrumar o dinheiro. Ele não alterou a voz. Ele me deu mais uma semana, mas antes de sair disse calmamente:

- É o prazo final. Não gostaria de ver uma mulher tão bonita com esse rostinho amassado. E a Cecile? Será que ela gostaria de dar um passeio de carro um dia desses?

Eu fiquei apavorada ao entender a ameaça. Cecile estava correndo risco. E eu tinha uma semana para evitar uma desgraça. Pisquei bem os olhos e respirei fundo, procurando não chorar. Carla me observava em silêncio.

- Coma o seu pão, meu bem. Se ficar fraca e doente, aí mesmo que as coisas vão piorar. - Molhei mais um pedaço de pão no café e mastiguei, mas minha garganta parecia travada. Não sentia o gosto de nada.

- Vou fazer um ovo mexido para você, Ju. - Carla começou a desenrolar os ovos do jornal sobre a mesa.

- Não, eu não quero. Obrigada.

- Mas você precisa comer!

- Eu sei, mas estou bem Carla, não se preocupe.

Ela parou, deixando o jornal aberto. Levei minhas mãos até os ovos, para enrolá-los novamente. Meus olhos relancearam por uma foto na coluna de fofocas do jornal e algo familiar me chamou a atenção. Fixei o olhar. Um casal de mulheres em uma boate. Uma mulher, loira e linda, era uma modelo conhecida, mas foi a outra estatura mediana e charmosa, abraçada à ela, que despertou toda minha atenção. Reconheci ela de imediato e arregalei os olhos.

CHANTAGEM - SARIETTEOnde as histórias ganham vida. Descobre agora