Único

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Hoje o dia não foi muito bom, foi cansativo e angustiante. Na verdade, as coisas não andam muito bem num geral. Segurava na barra do vagão, ao lado do assento preferencial, e olhava para um ponto fixo na parede, me sentindo estranho e vazio por dentro, como se as coisas não fizessem muito sentido. Estava frio e óbvio que isso colaborava para o clima melancólico; o frio, na maioria das vezes, me deixava triste, mesmo que isso não fizesse o menor sentido.

Eu estava voltando do trabalho, mas dessa vez não pra minha casa, e sim para a casa dele. Havia me mandado mensagem hoje cedo dizendo que gostaria de ter minha companhia já que coincidentemente também não estava em um dia muito agradável - e bem, óbvio que eu aceitei ir. Peguei o ônibus na estação que levava uns 15 minutos pra chegar no ponto do ladinho da casa dele e assim que cheguei no portão do prédio, o porteiro, muito gente boa e que já conhece muito bem meu rosto, abriu pra mim. Subi os dois lances de escada e logo me vi parado em frente a porta do apartamento dele, exausto do dia cansativo e com um vazio enorme que estava prestes a ser preenchido.

Era estranho, quase um ano e meu coração ainda pulava e meu estômago embrulhava de ansiedade quando eu iria vê-lo, como se ainda fossemos amigos coloridos descobrindo que estão se apaixonando, se encontrando no metrô depois da aula. Engoli em seco quando ouvi o som da chave girando, e logo vi a porta se abrindo, revelando-o de pijama, cabelo todo bagunçado e com carinha de sono. Ao nossos olhares se encontrarem, percebi um sorrisinho escapar dos lábios dele, e sem demora entrei no apartamento, parando ao lado dele e o esperando fechar a porta.

— Oi, mô... — o ouvi dizer e assim que soltou a chave, abri meus braços e ele se encaixou em meu abraço, suspirando pesado

— Oi, amor... — respondi, antes de fechar os olhos

No exato momento em que senti o calor dele e o cheiro de seu shampoo invadir meu nariz, foi como se todo o dia estressante e chato jamais tivesse acontecido. Tudo nele um dia poderia mudar, menos o cheirinho do seus fios loiros. Juro, por tudo que existe, que é a melhor coisa que já senti em toda a minha vida. Em segundos fazia eu me sentir em um bosque cheio de rosas cheirosas e cerejeiras, mas com um diferencial: o bosque estava sobre uma nuvem, de um dia ensolarado, mas não quente como o verão, e sim mais como um dia ensolorado de primavera. Eu me sentia leve e feliz, com uma paz no peito que só estar colado ao cara que mais amo pode me proporcionar.

Acariciei suas costas e subi minhas mãos para os fios, os afagando do jeitinho que ele gostava, e então o cheiro subiu mais forte, e claro que aproveitei pra dar um fungada daquelas, fazendo-o rir. Era como se nada mais importasse, como se nada mais existisse. Se eu morresse no segundo seguinte, tudo bem, porque minha última lembrança seria uma das melhores da minha vida, e nada mais importava. Nada.

Infelizmente eu não podia parar o tempo, e tive que me separar de seus braços - não por completo. Levantei meu rosto, abrindo meus olhos para o admirar, e quando a luz entrou nas minhas pupilas e me encontrei nos olhos dele, o mundo ao meu redor agora parecia alegre e colorido, e o cansaço dos meus músculos foi embora como se eu tivesse tirado um bom cochilo.

— Como foi seu dia, amor? — ele perguntou com os olhinhos preocupados e eu até poderia ter respondido, mas tudo o que consegui fazer foi sorrir sereno, lhe roubar um selinho e então dizer

— Eu amo você.

O cheiro do seu ShampooWhere stories live. Discover now