Prólogo - Um dia de sorte

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O som que escutava era o bate-estaca da boate. O som ritmado, constante e alto o suficiente para lhe fazer os ouvidos doerem e incomodar tanto quando o nó apertado de sua gravata. 

Enfiou o dedo no colarinho, sentindo o alívio imediato pelo gesto, ainda que o total só viesse depois que terminasse seu expediente, às seis da manhã. 

Desanimada, pegou sua bandeja no balcão, apoiando nas mãos e, consequentemente, se apoiando sobre os saltos finos com desenhos de chamas, combinando com o collant vermelho que usava e suas meias escuras. Na cabeça, encaixado entre os cabelos levemente ondulados, havia um arco com pequenos chifres vermelhos, que piscavam pateticamente. 

Sim, achava aquilo ridículo, mas não tinha lá muita escolha quando se tratava dos trajes que se usavam na Moulin Rouge mas sim, preferia mil vezes um collant com meias escuras do que as roupas que as garotas do burlesco usavam. 

Pensando nisso, ensaiou seu melhor sorriso e voltou para a pista, oferecendo bebidas a todos que cruzavam seu caminho. Alguns pegavam os copos, outros voltavam para a pista de dança, outros tomavam as bebidas de sua bandeja e tentavam fazer com que ficasse. Quando isso acontecia, se permitia parar e avaliar bem a proposta, afinal, não era segredo para ninguém que a boate era uma pequena fachada em vista do grande negócio por trás das paredes de concreto. 

Então, dava um novo sorriso, colocava a bandeja sobre a mesa e se acomodava como um gatinho manhoso no colo de quem pudesse pagar por algumas horas em sua companhia. 

Era rotina, era comum. 

Mas naquela noite de sexta, estava lhe custando sorrir tanto quanto estava sendo difícil respirar com aquela roupa de vinil apertada ou quanto engolir o nojo e o orgulho e se aproximar dos homens que tentavam a todo custo atraí-la até eles. 

Fingia que não via, ignorando ainda que soubesse que se um dos irmãos Ootsutsuki a visse fazendo isso, estaria no olho da rua.

Sua cabeça estava fora de órbita, os pensamentos jaziam longe do que deveriam e tudo o que se passava em sua mente eram as cenas vistas na semana anterior. Não conseguia esquecer os gritos, o sangue e o tiro, muito menos podia esquecer os olhos do homem que fizera aquilo, por mais que fosse o seu maior desejo naquele momento. 

Queria poder se concentrar no trabalho, dar atenção aos homens do bar e quem sabe descolar algumas gorjetas que lhe ajudassem a pagar as contas atrasadas, entretanto, o universo não parecia querer ajudá-la e pareceu menos ainda quando seu corpo movido no piloto automático chocou com algo duro e sua bandeja de bebidas foi ruidosamente de encontro ao chão. 

— Puta que pariu — sibilou ao ver as taças quebradas no chão e as bebidas se espalharem pelo carpete. 

— Nossa, me desculpe, moça — ouviu a voz de um homem a sua frente, mas o ignorou, ficando de joelhos e começando a juntar os cacos de vidro na bandeja. — Me deixa te ajudar. 

— Você vai pagar por isso? — Perguntou antes que pudesse controlar a própria língua. 

O rapaz parou no meio do movimento, nem chegando a encostar nos cacos de vidro, a olhando um tanto surpreso. Ali já pode concluir que não, ele não pagaria. 

— Quer saber, esquece. Pode deixar que eu cuido disso — resmungou, xingando mentalmente quando ele não apresentou nenhuma resistência e se afastou.

Tirando alguns fios de cabelo do rosto, continuou pegando os pedaços de taças com a ponta dos dedos, já prevendo o pita esporro que levaria de Hidan, o gerente da Moulin. Logo depois, pensou no quanto teria que desembolsar do seu salário para pagar pelas taças e pelas bebidas não vendidas. 

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