A boca fala do que está cheio o coração

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Depois que Wuxian foi embora, Wangji terminou sua taça, deu uma conferida nas crianças e foi direto para a cama.

Seu corpo parecia não pesar nada e sua mente estava igualmente leve. Uma sensação gostosa de lar havia tomado sua casa naquele fim de semana e até o ar parecia diferente. Ainda se revirou um pouco antes de adormecer de fato, pensativo. Se perguntou se Jingyi estava feliz, se estava se sentindo bem-vindo. Wangji havia pego uma folga no trabalho — o que podia não parecer grande coisa, mas era — e dedicado o sábado inteiro a fazê-lo se sentir acolhido, mas ainda não estava convencido de que havia feito tudo o que podia. Jingyi ocupava um espaço enorme em seu coração. Onde antes havia uma grande culpa por ter pensado tão mal dele e de seu pai, hoje só existia um carinho muito sincero. Era bom tê-lo por perto porque ele colocava um brilho diferente nos olhos de Sizhui, que havia passado o dia inteiro feliz, mas de uma forma bem específica. Não era a mesma felicidade agitada e passageira das festinhas infantis e tardes no parquinho, estava mais para um tipo muito doce de aconchego, uma companhia verdadeira. Havia uma cumplicidade ao redor deles que Wangji já nem sabia se podia existia na vida real.

Wangji conhecia muitas pessoas. Conheceu gente de todos os cantos do país na faculdade em Gusu, sabia reconhecer o valor de cada uma das suas relações e era grato a todas elas, mas nunca teve o privilégio de ter um melhor amigo. Teve uma amiga especial quando era mais jovem, seu afeto por ela foi o mais próximo de cumplicidade que jamais alcançou com alguém além do seu irmão. Talvez houvesse se tornado o melhor amigo dela se as coisas não tivessem terminado tão mal.

Pela primeira vez, quis saber o que Meifeng teria feito da vida. Eles haviam concordado em não procurar um pelo outro, mas é que já fazia tanto tempo.

De qualquer forma, era apenas uma curiosidade. A memória dela não abalava a tranquilidade de Wangji há bastante tempo e não seria agora que as coisas iriam mudar. Adormeceu sem problemas e acordou bem-disposto no dia seguinte, ciente de que a presença do seu convidado era tão mais importante que podia matar qualquer pensamento incômodo. Jingyi estranhou um pouco ao ver que Wuxian não estava mais lá, mas bastou que o café da manhã fosse servido para que a sensação passasse. Os três reassistiram o filme dos coelhos e dessa vez, Wangji se dedicou a prestar atenção no enredo. Foi bem divertido. Embora as músicas fossem mesmo um pouco chatas, a história era bonitinha e cheia de boas mensagens para as crianças. Teria sido o programa perfeito — se uma sensação chata de que algo estava faltando não houvesse lhe afetado durante o filme todo.

Mais cedo, antes de ir acordar os pequenos, Wangji se levantou e foi fazer um chá para acalmar a ligeira dor de cabeça pela bebida. Enquanto esperava a água ferver, se sentou à mesa e ficou olhando as duas taças vazias ao lado da garrafa de vinho. Foi estranho não ter Wuxian lá. Parando para pensar, já fazia muito tempo desde que ele havia deixado de ser intragável aos seus olhos. Agora, Wangji conseguia vê-lo como um pai dedicado e uma pessoa interessante. Aquela noite na padaria dos Nie, por mais estranha que houvesse sido, não lhe saía da cabeça. Perdeu as contas de quantas vezes havia desejado retornar ao momento e refazer seus passos. Se pudesse, talvez num estado menos atordoado, teria agradecido apropriadamente a ele pelos drinks e pela conversa.

Wangji tinha tanta coisa para dizer a Wuxian, tantas perguntas para fazer, mas estar perto dele lhe deixava mudo desde sempre. Primeiro era por pura raiva, depois foi se tornando uma questão de vergonha e agora, Wangji só se sentia... Tímido. Quis se aproximar durante toda a tarde de sábado, mas não conseguiu encontrar nenhuma brecha até a hora de colocar os pequenos para dormir. O momento na cozinha, a conversa simples e desinteressada, tudo estava se repetindo como um filme na mente de Wangji. Honestamente, não havia prestado atenção em boa parte do que havia sido dito, mas só porque olhar para Wuxian era distrativo demais. Serviu seu chá e tomou um analgésico pensando em como ele podia ser tão espontâneo, com aquele sorriso fácil e todo aberto que se desenrolava diante de qualquer comentário.

Só sei que foi assim - Wangxian Onde histórias criam vida. Descubra agora