Cuidada e cheirando a rosas e lavanda

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Eu estava de costas para Cordélia, mas sentia seus olhos em mim. Mais especificamente em um determinado ponto nas minhas costas, onde as cicatrizes eram linhas bagunçadas. Eram marcas muito antigas, não conseguia senti-las mais, entretanto, eram as lembranças que mais doíam.

À minha frente, as outras duas só estavam me esperando, então, enfim, entrei na banheira de água quente e senti que os deuses finalmente tiveram piedade de mim –já estava na hora.

Lavaram meus cabelos, todos os longos cachos, esfregaram minhas costas, sendo delicadas sobre as marcas, o que me fez sentir sua compaixão, minhas pernas, meus braços, não permitiram que nada em mim continuasse suja. Embora eu tomasse banho regularmente, nunca havia me sentido tão leve quanto agora.

Minha pele tinha um aspecto mais saudável, brilhante, minhas madeixas estavam com cheiro de rosas. Pela primeira vez depois de 9 anos, não me sentia tanto como uma rata de rua.

Duas delas mexiam em minhas mãos depois de terem retirado todos os meus anéis, cuidando dos sabugos que eu chamava de unhas enquanto outra massageava meu couro cabeludo e passava produtos que eu não conhecia sobre meus fios, hidratando-os e devolvendo o brilho há muito tempo perdido. Tudo aquilo era de uma delicadeza extraordinária que me deixava emotiva, sentindo que estavam cuidando de mim, como se quisessem que eu ficasse bonita, ficasse bem, mesmo que sob ordens de outra pessoa. Sentia meus olhos lacrimejarem, mas logo engoli minhas reações. Se eu chorasse por um banho, me sentiria ridícula.

Não queria abrir a boca, com medo de que elas percebessem que eu não era ninguém que merecesse tamanha atenção estragar o sonho, no entanto, sentir suas mãos sobre meu corpo e saber o nome de apenas uma delas fazia com que eu me sentisse mal.

–Como vocês se chamam? –Minha voz saiu um pouco mais fina, como se eu fosse mais nova do que eu realmente era ou, talvez, fosse eu falando como garota de realmente 17 anos. Cordélia olhou para as duas, simbolizando que me referia a elas, já que a mesma já tinha me sido apresentada.

–Olha, que modos os meus! Prazer, criança, meu nome é Dhara e essa é Eira. –Gesticulando para a outra moça, com a timidez passando por seu rosto, quase não me olhando nos olhos. Será que se Dhara soubesse quem eu realmente era, ela ainda me chamaria de criança? Será que sequer importava para elas se eu fosse prisioneira ou apenas uma convidada naquele local estranho?

–É um prazer, senhorita. –Eira com sua voz abafada e suave emitira em um tom baixo, suas delicadas mãos ainda segurando meus dedos.

–O prazer é todo meu. Meu nome é...

–Não precisa se apresentar, criança, já sabemos seu nome. –Me interrompeu Dhara, com um sorriso complacente direcionado a mim, seu rosto acima da minha cabeça, não soando rude mesmo com a frase cortante. O nome Amélia estava preso na ponta da minha língua, pronto para ser atirado e mentido, mas aceitei sua alegação de bom grado, sorrindo de volta para ela.

Minha visão foi desfocada dela, sentindo-me relaxando. Tão relaxada que nem notei quando, sem pensar, fiz uma pergunta.

–Por acaso vocês podem me dizer que lugar é esse? –Assim que dita, percebi como poderia soar estranha em ouvidos que não possuíam contextualização, vendo os olhares trocados entre Eira e Cordélia. A última se voltou para mim com hesitação em seus olhos.

–Estamos no castelo, não sabia?

–Cordélia! –Dhara a repreendeu como se falasse com uma criança dizendo coisas inapropriadas, seu rosto repentinamente rígido e levemente mais vermelho. Cordélia, por sua vez, abaixou a cabeça.

Todo o relaxamento que sentia antes havia ido embora.

Castelo? Digo, o castelo? Lar da Rainha Miranda? O que diabos eu estava fazendo nesse lugar? Já sabia que ela tinha dado as ordens para o meu banho, porém estar em seu palácio nesse mesmo momento era muito além. Eu poderia estar completamente perdida, mas eu sabia de uma coisa: aquele não era o meu lugar. Mesmo se tivessem a certeza de que eu era a Sombra, ainda não seria tão relevante para isso. Não relevante ao ponto de ficar presa/hospedada no castelo. Senti minha respiração um tanto mais pesada e minha cabeça mais zonza, no entanto, com as mãos das outras moças me tirando a concentração, era difícil ficar com a cabeça em um único lugar. Ficar pensando demais sobre aquilo não faria ter mais sentido do que antes.

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzWhere stories live. Discover now