O belo mundo de porcelana

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O sol já havia se aposentado enquanto eu caminhava sozinha pelos corredores com os lampiões recém acesos, todos os músculos do meu corpo doloridos. Acho que até meus próprios ossos estavam desgastados.

Nikolai não parecia querer me treinar, parecia apenas querer me humilhar –e havia conseguido fazê-lo com louvor.

Não sabia que ela tão ruim em lutas com espadas até realmente ter uma em minhas mãos e tentar. Também não é como se eu tivesse alguma prática, sempre preferi lâminas menores, que dessem para serem escondidas e passadas despercebidas, tais como adagas, que eu me convencia que sabia como usar mesmo nunca ter realmente usado, pelo menos não do jeito que eles queriam, do jeito que Nikolai me mostrou. Aquilo era impiedoso, rápido, lindo e grosseiro. Era um pouco diferente de roubar. No treinamento, você quer que o seu oponente sinta sua mão, de preferência com uma espada. No roubo, você não quer ser sentida.

Ela não me dera dica alguma, somente me fazia repetir, tentando evitar o que eu fizera anteriormente e ele, ainda assim, conseguindo me derrotar todas as vezes.

Eu estava vermelha, suando, quase incapaz de me manter em pé quando ele, também vermelho, suado e ofegante, mesmo que menos que eu, permitiu que terminássemos pelo dia, quase os únicos que continuavam por lá. "De novo" foi quase a única coisa que escutei dele. Notei também que ele impedia encostar na minha pele, não que eu o culpasse, no estado que eu me encontrava agora, não gostaria de encostar em mim também.

Passando pela porta do meu quarto, a presença de Cordélia próxima à banheira de cobre no canto, a divisória de maneira a escondendo parcialmente, me revigorou. Um banho quente era tudo que eu precisava naquele momento.

Cordélia, em sua paciência angelical, mais uma vez, me despia. Dessa vez, ao invés de me auxiliar a entrar em outra roupa, me ajudava a entrar na água, uma benção que recaia pela minha pele. Com uma esponja, ela esfregava minhas costas, meus braços e meu pescoço, alternando-a com um copo de água que jogava em minha cabeça para enxaguá-la do produto que ela passava em meu couro cabeludo. Me encontrava quase dormindo ali.

O que me acordou de meu estupor fora sentir seu dedo traçando minhas cicatrizes, curiosa, um espasmo rápido e involuntário me percorrendo, me encolhendo. Ela notou e, mesmo sem olhar para trás, sentia seus olhos sobre mim, cuidadosa, sua mão deixando minha pele. Sabia o que se passava em sua mente: como eu as conseguira?

Era algo que já havia ficado para trás, contudo, durante todos os anos que eu as tive, nunca contara à uma única pessoa como ela vieram a ficar em mim. Gosto de Cordélia, mas acho que a conheço por muito pouco tempo para esclarecer suas questões sobre assuntos tão... meus.

Gosto dela, no entanto, gosto mais que minha vida seja só minha.

Fingimos que nada aconteceu.

Já vestida com um roupão de lã, absorvendo toda minha umidade, ela se retirou e retornou com uma bandeja recheada de opções para o meu jantar, deixando-a sobre penteadeira.

–Se quiser, eu posso te fazer companhia enquanto janta. –Olhei em sua direção, para a comida desposta e me voltei para ela. Eu não havia feito nada para ser tão bem tratada por aquelas pessoas e, ainda, queriam me dar o prazer de sua companhia. Apenas sorri com o pensamento de eu poderia dividir alguns momentos com alguém além de mim, sozinha, como fiz boa parte da minha vida.

–Realmente, gostaria de uma ajuda para acabar com tudo isso. Acho que Dhara pensa que a minha presença equivale à um batalhão inteiro para me dar essa quantidade de comida. –Ela, de maneira contida, sorriu e sentou-se na beirada da cama. Me encaminhei até onde a bandeja estava e a posicionei entre nós duas, no meio do colchão. –Conte mais sobre você. Quantos irmãos você disse que tinha?

O nome da sombra - Crônicas de sombra e luzDonde viven las historias. Descúbrelo ahora