Coração Prematuro

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Ela sorri e sinto que meu coração quase para. Pensei que havia a perdido para sempre, mas não foi isso que aconteceu. Ela está bem ali, ao vivo e a cores, na minha frente. Cansada, mas viva. Seus olhos piscam como os meus, seu coração bate como o meu, e suas mãos estão trêmulas, exatamente como as minhas. Poucos metros nos separam.

Levanto os braços para tentar chamar sua atenção, pois ela não me olha. Quero mostrar a ela que me sinto horrível por todos os males que lhe causei, mas prometo que jamais isso se repetirá. Tentarei protegê-la tanto quanto ela me protegeu. Serei bondoso, carinhoso, e farei tudo para ver seu sorriso e para ouvir sua bela voz.

Eu a amo. Amo demais. Amo tudo nela, seu rosto, seu cheiro, seu calor. Mal posso esperar para sair dos braços deste desconhecido e ficar junto de mamãe novamente. Não vou soltá-la, vou agarrá-la como se não houvesse amanhã, adormecerei e acordarei com ela ao meu lado, ficaremos juntos para sempre.

Mamãe, obrigado por ter aguentado até o fim. No início achei que estava recebendo uma punição por tê-la machucado, mas agora sei que esse é o fluxo natural da vida. Não poderia ficar dentro de você para sempre, até porque chegaria uma hora em que seu corpinho magro não iria mais aguentar sustentar meu peso. Eu vou te fazer feliz, mamãe. Sei que vou. Por isso me dê mais uma chance, confie em mim.

O estranho agora começa a andar. Sinto um frio na barriga. A hora que eu mais esperava que chegasse finalmente chega. Estou sendo levado para minha protetora, minha heroína, a mulher mais linda de todo o mundo. Como sou sortudo.

Procuro ficar calmo e não me mexer muito. Não quero que nada assuste mamãe, quero que assim que ela me veja ela possa se certificar de que serei um filho obediente, sensato e amoroso.

Mas de repente, todas as minhas expectativas desaparecem em um piscar de olhos.

O estranho se vira antes de alcançar mamãe e me carrega até outro canto do recinto. Que está acontecendo? Por que ele está me afastando de mamãe? Então minhas preces não foram atendidas? Todo o meu esforço foi em vão? E que destino me aguarda agora? Não, não posso viver sem ela. Ela é minha fonte de vida. Eu a amo, mereço ficar com ela!

Saio dos braços do estranho e sou pego suavemente por outra estranha. Ela tem cabelos curtos e olhos bem claros. Sei disso pois estou olhando diretamente para eles. Ela está tão perto que fico pasmo. Quem é essa mulher? Por que fui entregue a ela e não a mamãe?

Ela abre a boca e começa a falar. Sua voz é suave, mas não se compara à de mamãe. A dela é menos doce, menos calorosa.

- Não acredito... Meu filho nasceu! – ela exclama.

Não entendo mais nada. Ela está me chamando de filho ao invés de mamãe. Ela me segura, me olha, me beija, me acaricia, faz tudo que minha mãe deveria fazer. Mas ela não é minha mãe. É uma estranha que nunca vi, que não passou todo esse tempo cuidando de mim, que não teve uma conexão comigo, que não me deixou em estado de paz só por ter falado comigo. Nunca estive dentro do seu corpo, boiando em seu líquido.

Não foi dela de onde eu saí. Saí de mamãe, única e exclusivamente.

A voz de mamãe ecoa pelo recinto. É a primeira vez que a ouço desde que cheguei aqui fora, com exceção de seus gritos, mas esses últimos são sons que definitivamente quero esquecer depressa. Ela diz, baixinho, mas o suficiente para fazer meu mundo inteiro desabar:

- Parabéns pelo seu filho.

Seu filho.

Para mim, ela é minha mãe, mas para ela, não sou seu filho. Percebo que todo o amor que ofereci a ela não foi o suficiente para que ela sentisse o mesmo. Se todos os bebês machucam suas mães quando nascem, mas depois são acolhidos nos braços delas, por que só a minha está me rejeitando? Não sou bom o bastante? Sou feio? Tenho alguma deformação ou algo que faça com que ela não me queira?

De repente tudo fica claro em minha mente. Percebo que resistir é inútil. Jamais terei a oportunidade de fazer mamãe feliz, pois não ficaremos juntos. Nossos destinos não estão entrelaçados. Não importa o quanto eu a ame, o quanto eu suplique, o quanto eu chore, o que sinto por ela jamais se igualará ao que ela sente por mim. A verdade é que nem sei se ela realmente sente algo por mim.

Como fui ingênuo. E se esse tempo todo aquela belíssima voz não estivesse sendo direcionada a mim? Ela poderia estar falando com qualquer pessoa, mas assumi que fosse comigo. A culpa é toda minha, eu que fiquei com altas expectativas, eu que imaginei um futuro perfeito e utópico e me desprendi da realidade. Foi esse amor tão forte, meu próprio sentimento que me destruiu.

A estranha sorri para mim, o que me faz sentir ainda pior. Não consigo corresponder à sua alegria, pois sinto que meu coração foi destruído em milhares de pedaços. Será que isso que estou fazendo com ela é o mesmo que mamãe está fazendo comigo? Ela parece tão despreocupada, pensa que estou tão feliz quando ela. Quero sorrir junto com a estranha, mas é impossível. Pelo menos agora.

A cama em que mamãe se encontra desliza pelo quarto com a ajuda do estranho que me ergueu pela primeira vez, e ela é levada em direção à porta. A estranha se levanta, então consequentemente sou erguido para cima. Ela segura meu bracinho e faz um gesto de aceno em direção à porta. Mamãe acena para ela, não para mim. Durante esse breve tempo em que estive em sua presença ela não me olhou uma vez. E nunca mais olhará.

Agora sei que eu amo mamãe, mas mamãe não me ama. Chega a ser engraçado o quanto uma chama de esperança pode ser apagada quando se menos espera.

A porta se fecha. Estou sozinho com a mulher que me segura. Ela solta meu braço e começa a me ninar, suavemente, cantando uma canção. Não presto atenção no que ela está cantando, pois concentro toda a minha força em erguer o braço em direção à porta e mexer a mão do mesmo jeito que ela fez comigo há segundos atrás.

Adeus, mamãe.

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