Parte III - Final

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O tempo passou, as pessoas continuaram a visitar o santuário, mas apenas um altar vazio os recebia e muitos começaram a se questionar sobre a proteção. "Será que o guardião realmente nos abandonou?" "Ainda há um guardião?" "Ele realmente existiu?". A data e o evento catastrófico anunciados por Igor não acontecera e a vila inteira relaxou, passando a ter cada vez menos seguidores do espírito do Guará Negro a cada ano.

O período de estiagem nos anos que se seguiram após a profecia estava mais severo que o normal, chegando ao seu quinto ano seguido e castigando toda a região. Pela primeira vez, a área dita encantada, no cume do monte, estava secando e a fonte estava quase vazia.

Muitas áreas de pastagens haviam desaparecido, deixando apenas rastros de folhas secas voando entre as pedras reluzentes e a terra quase sem vida.

Os poucos reservatórios de água que ainda jaziam se encontravam em seus últimos suspiros, com grandes rachões e pequenas poças de lama onde apenas os peixes e outros animais aquáticos mais resistentes lutavam por suas vidas. Restava unicamente um pequeno lago não muito distante da vila, um oásis para humanos, animais domésticos – galinhas, patos, bovinos, suínos, ovinos e caprinos – e animais selvagens em um momento de trégua.

Havia pouca comida nas matas do Monte Fonseca também, obrigando aos que ainda resistiam a se aproximarem cada vez mais da vila em busca de alimento.

Mas o pior ainda estava por vir e abalar toda a fé dos habitantes daquele local e de diversas outras vilas de onde se podia avistar o monte. Naquele dia, um dos maiores incêndios que já atingiu a região fora visto por pessoas a dezenas de quilômetros dali.

Era por volta de meio-dia quando a queima da vegetação de um dos campos de lavoura perdeu o controle e começou a se espalhar pela vegetação seca nas redondezas. Um dos moradores próximos logo chegou à residência de Igor para chamar seu avô, que o seguiu de prontidão. Eles precisariam de toda a ajuda possível.

Correndo para o quintal, seus olhos arregalados eram o espelho de um grande desastre, imensas labaredas já devastavam boa parte do monte e continuavam a subir em direção ao Santuário.

- Vovó, eu também vou, o guardião... – o garoto fora interrompido.

- Não, meu filho, é muito perigoso e você é uma criança ainda. Já perdemos seus pais em um ataque do povo do Leste, não posso arriscar perder você. – A senhora o abraçou forte enquanto os cães da família latiam freneticamente, sobretudo o Barão.

Um grupo de pessoas logo fora mobilizado na tentativa de conter o incêndio. Entretanto, fogo, vegetação seca e vento era um casamento mais que perfeito, nada podia conter aquele desastre, que seguia devastando tudo pela frente no Fonseca.

Ao final da tarde, das residências mais próximas do monte se podia ouvir o grunhir de animais em agonia na floresta em chamas, cachorros agitados, latindo e uivando sem parar, galinhas em cacarejo de pavor, porcos e gados continuavam eufóricos em seus chiqueiros e currais, quase saltando sobre as cercas, e as pessoas, entristecidas.

As árvores próximas aos açudes rachados estavam cobertas por numerosas espécies de aves, macacos e saguis em um coral tenebroso como a pedir socorro. Grande parte do Monte já havia sido queimada naquele momento, muito da fauna e flora havia sumido em meio às cinzas e o que restava às pessoas era apenas se agarrar a sua fé no guardião e demais espíritos que protegiam o Santuário, orando diante de velas para que aquele fogo acabasse e não destruísse o restinho da história de seu povo.

No fundo do quintal, protegido por cercas de madeira, o menino observava um casal de jaguatiricas correndo com seus dois filhotes na boca. Mesmo com as patas fortemente queimadas, eles seguiam tentando ir para o mais longe possível. Sobre sua cabeça, um enorme bando de pássaros voava em círculo, até que ele ouviu novamente um "nos ajude!".

A Lenda de Umalá: O Guará NegroWhere stories live. Discover now