Capítulo 7 - Seus Olhos

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— Um filho adolescente, é eu tô sabendo senhor Breban — revirei os olhos e o completei seguindo o ritmo.

— Acho que vocês se dariam bem. Ah, vai lá ser feliz! — encorajou-me, gesticulando com a mão para que eu caísse fora.

E foi isso mesmo que fiz.

Depois de pular do bonde, tomar banho e jantar, tirei um tempo para mim.

Era uma tarefa relaxante passar tanto o batom vermelho quanto o lápis de olho, cuidadosamente para que não saíssem fora do contorno. Mamãe costumava fazer isso em mim. Mas agora, tinha restado só as memórias. Não chorei, não daquela vez. Definitivamente, aceitei que ela nunca mais voltaria.

De qualquer forma, onde quer que estivesse, ela não gostaria de minhas lágrimas. Nunca gostou na verdade, e já estava mais que na hora de seguir em frente. Me preocupar com os mortos era o que eu menos precisava.

Ao terminar de maquiar, sorri, exibindo meus dentes tortos no reflexo do espelho de mão. Sem dúvida, era o que eu mais odiava sobre mim mesma. Mas certa pessoa gostava. Isso me fazia refletir se eu não estava sendo dramática demais.

Petronilla me olhou, com lábios esticados; a felicidade estampada na cara. Não me perguntou onde eu ia, ela sabia muito bem. Só uma pessoa me fazia sorrir no espelho e sair em pleno domingo. Da mesma forma, não comentou sobre isso. Compreendia que a irmã mais velha não abriria o bico e era nova demais para se intrometer em relacionamentos.

Minhas botas finalmente atingiram o concreto da calçada, e eu, saí em completa disparada.

Eu adorava o inverno. O frio congelando os ossos me fazia sentir viva; menos um zumbi, levando a vida no piloto automático. Uma estranha nostalgia me atingia nesses tempos. Achei que era por ser a estação favorita de meus pais.

Enquanto caminhava rápido pelo passeio, observei o complexo de prédios idênticos, enfileirados e sem-graça; o concreto era a coisa mais comum aqui em Bucureşti. As pessoas cuja família serviram às Forças Armadas se estabeleciam nesses blocos, e eu não era exceção nenhuma.

O aglomerado mais atrás abrigava os chamados empregados, uma profissão igualmente suicida, assim como o que eu pretendia ser. Ambas eram difíceis de se ingressar, apesar de seus destinos trágicos e quase inevitáveis.

Por dinheiro, mesmo que pouco, as pessoas faziam loucuras, não que eu fosse muito diferente. Tais trabalhos garantiam privilégios bons demais para serem verdade: moradia, ótimo pagamento — e no caso dos soldados — o "Salário Pátria", sem contar no status. Como meu pai mesmo zombava, "Em um mundo de pobres, o menos pobre é rei."

O Salário Pátria era uma "bonificação" do Estado, dado aos filhos de soldados que perderam seus responsáveis na guerra até completarem 17 anos. O significado do nome era óbvio e presunçoso: "É resignado a todos que serviram a Pátria com sua própria vida". O discurso horrendo do Imperador veio à mente, com seus olhos vermelhos penetrantes e pele pálida como mármore.

Cuspi no chão; coisas assim me davam nos nervos. "Quem estava querendo enganar?", questionei de súbito; não se passava de uma desculpa esfarrapada. Pelo menos, encheram meus bolsos no processo.

Bufei. O barulho de minhas botas de saltinho contra a neve me desestressava um pouco, assim como o ruído do vento sobre meus ouvidos, imersos na touca branca. Mergulhei a mão no bolso de meu sobretudo laranja e catei um minúsculo espelho, para retocar o batom. Assim sendo, corri, ansiosa por cada segundo.

Ao virar a esquina, deparei-me com um bonde, e de supetão, meu coração palpitou mais rápido. Estática, fitei a figura esbelta descer do transporte. Seus cabelos cacheados e negros fluíam pelo vento, fazendo companhia ao cachecol; quase um sonho. Tomando ar, corri em sua direção e lhe abracei como se não quisesse soltar nunca, nunquinha mais.

— Eu senti tanto a sua falta — a garota murmurou enquanto me envolvia da mesma forma. O cachecol roçava em meu cabelo.

— Eu também — sussurrei, derretendo-me com seu carinho. Se eu dissesse ou não, Alis saberia. Ela me conhecia muito bem.

Soltei-me levemente para ver seu rosto.

Seu sorriso era lindo, com várias covinhas. A pele morena, um pouco avermelhada nas bochechas por conta do frio, faziam meu coração palpitar. Já seus cabelos cacheados, que carregavam uma touca assim como os meus, me faziam querer ser pequenina, para poder me enrolar em suas voltas e não sair mais.

Afundei-me na imensidão de seus olhos negros em um beijo. Foi rápido, e ao mesmo tempo, tão devagar. O tempo parava quando eu estava ao lado dela. Minha respiração disparou como se fosse a primeira vez, e o nó no estômago também não tardou a chegar. Como em raríssimas vezes, o mundo ao meu redor se tornou irrelevante. Era só eu, ela e sua colônia de rosas com mel.

Eu entreguei toda minha paixão e carinho, e se fosse possível, daria todos os meus sentimentos de bandeja. Passei as mãos pelos seus cabelos escuros e sedosos, afastando nossos lábios dolorasamente.

Focar em seu rosto me fazia esquecer em parte das caras feias que faziam para nós. "Seria eu a errada?"; cogitei. Sempre que eu estava com Alis era a mesma coisa. Doía tanto. Forcei um sorriso.

Embrenhei minha mão no bolso e deslizei um papel no palmo de Ali. Demorei certo tempo para escrever cada linha, coisas que não saíam com todas as palavras pessoalmente. Também, minhas habilidades nessa área eram suspeitas. Não se tratava de uma escrita comum, e sim a nossa. O nosso próprio idioma.

Ela desembrulhou o papel, aumentando o sorriso à medida que os olhos desciam. Foi então que uma voz masculina pigarreou atrás de nós, interrompendo o momento. Virei-me a procura da origem.

Era Nicolae, para a minha não-surpresa. Ele sempre vinha acompanhar a irmã de volta para casa, mesmo ela não dependendo disso. Sua expressão carrancuda era preocupante, como um cão de guarda prestes a dar o bote. Esse cão ladrava e mordia quando se tratava da irmã.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntei a ele, com as sobrancelhas arqueadas.

— Não, nada não. Já tô acostumado a segurar vela.

— Eu não pedi pra você vir — rebateu Alis — você tava careca de saber que isso ia acontecer.

— É tão ruim assim importar com minha irmã? — o garoto gesticulou freneticamente.

— Eu não sou mais uma criancinha, Nicolae.

— É sério? Sério que vamos discutir sobre isso?

O marmanjo pegou fôlego, fechando os olhos e respirando fundo.

— A gente se fala em casa — foi só o que disse, fechando o semblante de imediato.

Glossário:

Duminică - "Domingo" em romeno.

Sfânta Elena - "Santa Helena" em romeno;

Distopia RomenaWhere stories live. Discover now