capítulo um - a patrulha

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MARINETTE'S POV

Já eram mais de duas da manhã quando eu escutei um barulho nos telhados de cima. Eu tinha ido chorar na sacada (igual eu havia feito nos últimos dois anos) e perdi a noção do tempo. Tikki dormia calmamente no meu travesseiro e Ayla não iria dormir em casa hoje a noite, então tudo o que restava era eu, meus próprios pensamentos autodestrutivos e a brisa forte da madrugada gelada de Paris. O barulho se tornou um pouco mais alto e eu parei de chorar bruscamente quando escutei passos. Tinha alguém no meu telhado, na minha sacada, as duas da manhã de um domingo. Minha cabeça tinha apenas duas opções plausíveis: alguém invadiu nosso apartamento, ou o Chat Noir estava fazendo uma patrulha noturna pelo bairro outra vez. Eu esperava que fosse a segunda opção por que eu não estava com cabeça pra brigar com ninguém agora.

- Moça, você tá bem? - a voz que eu conhecia tão bem me perguntou calmamente, enquanto eu ainda estava de costas. Senti que seus passos pararam a pelo menos dois metros de mim e tive certeza que era Chat Noir que me encarava preocupado. Enxuguei algumas lágrimas rebeldes e me virei devagar na sua direção. Como era de se imaginar, sua expressão facial denunciava preocupação. Provavelmente por que ele ouviu uma menina chorando sozinha as duas da manhã na sacada de casa e talvez tenha pensado que eu ia me jogar. Ignoro os pensamentos e forço meu melhor sorriso ao meu parceiro que não sabia que era meu parceiro antes de responder

- Tô sim. Mas o que devo a honra de uma visita dessas? - tento parecer brincalhona pra que ele não insistisse no assunto "Garota chorando sozinha as duas da manhã na sacada de casa", mas quando ele não esboça nenhum sorriso sinto que meu plano não vai funcionar.

- Patrulha noturna. Eu não quero ser intrometido, mas eu acabei ficando preocupado. Você tá bem mesmo? Eu te ouvi chorando um pouco, e resolvi descer pra saber como você tá. - ele avança um passo como se pra garantir a verdade de suas palavras. Acho fofo o modo como ele se preocupa até com pessoas que ele não conhece. Ou acha que não conhece.

- Alguns problemas da faculdade sabe, nada demais. Obrigada pela preocupação. - digo um pouco mais sincera e tento fazer meu sorriso aumentar enquanto meus olhos inchados denunciam o choro de horas atrás. Abraço mais ainda meu sobretudo ao corpo e faço menção de entrar de volta no apartamento mas ao passar por ele, Chat Noir segura meu antebraço com calma, o que me faz levantar os olhos pros seus que me encaravam com uma preocupação genuína.

- Você quer conversar sobre isso? - ele me encara, como se pra ter certeza que eu não vou mentir ou me esquivar dessa vez. Encaro ele de volta e sinto como se fosse a primeira vez que eu via ele daquele jeito. Ok, ele sempre foi cuidadoso com a Ladybug, mas faz tanto tempo que eu não percebo a pessoa incrível que luta do meu lado todos os dias que isso acaba parecendo a primeira vez. Olho pra sua mão que segurava levemente meu antebraço e ele não faz menção de soltar nem quando eu o encaro de volta. Respiro fundo e resolvo fazer a coisa mais estúpida que eu podia fazer no momento.

- Quero. - minha resposta sai quase como um sussurro, mas eu tenho certeza que ele escuta por que ele solta meu braço e se recosta no parapeito da sacada, como se tivesse a madrugada toda pra me ouvir falar sobre meus problemas. Começo a tentar achar um jeito de não deixar óbvio o que realmente me agonia e não citar ele de maneira explícita. O vento começa a ficar mais forte e ele treme um pouco, mas sem desmanchar sua expressão determinada. Ele mal me conhece e mesmo assim passaria a noite no frio pra me ouvir falar sobre os meus problemas. As vezes eu acho que o Chat Noir não é real e que eu, Ladybug, não mereço alguém tão especial. Mas talvez a Marinette sim.

- Podemos entrar. Ta muito frio aqui fora. - chamo ele apontando com a cabeça as portas de vidro e ele me acompanha pra dentro do apartamento.  Jogo um coberto em cima de Tikki que nem se moveu quando o vento bateu pra dentro do apartamento. Acendo as luzes e me sento em uma das poltronas da sala de estar. Indico a outra com a mão e ele se senta pacientemente, me esperando começar a falar. Respiro fundo outra vez e acho que desabafar vai me fazer bem. Pelo menos uma vez na vida eu posso colocar isso pra fora, mesmo que seja pra um dos causadores do problema.

- Bom, como eu havia dito antes, são realmente problemas da faculdade. - eu tinha sido sincera. Não consigo administrar minha vida de super-heroina com a de estudante e isso me deixa louca. Ele me olha um pouco desconfiado mas apenas assente. - Eu não consigo conciliar meu curso com o meu... estágio. - tento não parecer tão mentirosa e começo a desenvolver as coisas daí. - Esse estágio é muito importante pra mim, mas eu não tenho horários flexíveis, o que acaba me deixando em conflito com a vida acadêmica. Eu tenho alguns problemas de ansiedade, e isso acaba me atrapalhando muito. Eu odeio faltar na faculdade, odeio quando esse estágio começa a me cobrar tanto, odeio ser confusa e atrapalhada e não conseguir conciliar minha vida "dupla". - faço aspas com os dedos pra não ser tão óbvia, enquanto ele apenas me ouvia concentrado, sem fazer menção de interromper antes de eu acabar de falar. - E não adianta, o estágio não pode me liberar, eu não tenho como negociar isso, e mesmo assim, eu gosto de lá. Eu faço o que eu gosto, o que eu amo de verdade, e é ao lado de uma das melhores pessoas que eu conheço, o que deixa tudo melhor ainda. Mas apesar das vantagens, todo o resto me enlouquece. Eu só queria um tempo de tudo sabe? Desligar do mundo e deixar acontecer, não fazer questão de mais nada. É egoísta pensar assim por que eu tenho amigos, família, pessoas contando comigo. Mas chega uma hora que cansa, eu canso. Não consigo suportar o peso de ser a luz e a paz de todo mundo. É demais pra mim. - desabafo o máximo que consigo e meus olhos começam a arder. Antes que eu possa segurar as lágrimas, elas já estão rolando e antes que eu possa limpa-las, Chat Noir está me abraçando com tanta força que eu acho que meus pedaços quebrados vão voltar pro lugar. Me sinto culpada por não falar a verdade completa pra ele, mas mesmo assim aproveito o momento. No fim das contas ele ainda é meu parceiro não é? É pra isso que parceiros servem.

- Olha, Marinette não é? - ele pergunta e eu confirmo. Eu ainda não tinha dito meu nome até agora, como ele sabia? - Eu li na plaquinha da porta. - ele indica a porta do meu quarto quando percebe minha cara confusa e eu apenas assinto. Nós já estávamos afastados, mais ele ainda mantinha as mãos nos meus ombros, como se estivesse pronto pra me colar num abraço a qualquer momento. - Eu não sei o que você faz nesse estágio tão complicado e não me sinto com direito de me intrometer tanto na sua vida. Mas pelo o que você me contou hoje, eu imagino que seja muito difícil pra você conciliar isso tudo. Digo por experiência própria. Eu tenho minha vida de super-herói e minha vida civil, e não posso abdicar de nenhuma das duas, e elas entram em conflito constantemente. Mas eu tento não surtar, e respirar fundo, contando até 10 sempre que as coisas ficam difíceis. Isso não ajuda muito, mas eu quero que você saiba que você é uma mulher forte por passar por isso ok? Não tô aqui pra diminuir sua dor, apenas pra entende-la. Algum dia seu estágio vai melhorar, você também vai se formar alguma hora, as coisas melhoram Marinette, acredite em mim. E desabafar faz bem, terapia também faz. Espero ter ajudado, nem que seja só um pouco. - ele termina com um pequeno sorriso nos lábios e me abraça com força. Talvez essa tenha sido a conversa mais sincera que eu já tive com o Chat Noir e ele nem fazia ideia de que eu era a Ladybug. Ele não tinha obrigação de me ajudar, de me ouvir, de me dar concelho ou coisa de tipo. Ele não tinha obrigação de se importar comigo, uma estranha chorando na sacada de casa, mas mesmo assim se importou. Sinto que vou chorar mais um pouco então abraço ele antes que o choro de felicidade se torne um  choro de desespero e culpa.

- Obrigada. De verdade, ajudou muito conversar com alguém sobre isso. - digo sincera quando nós afastamos e ele começa ir em direção às portas de vidro da varanda com o bastão na mão.

- Por nada Marinette. Tenha uma boa noite. Espero poder te ver mais vezes por Paris. - ele comenta e eu tento segurar o riso. Esse garoto literalmente me vê todo dia e não faz ideia.

- Pelo menos você sabe onde eu moro. Quem sabe da próxima eu não te ofereço um chá? - comento como quem não quer nada com os braços cruzados apoiada no batente da porta enquanto ele me olhava do meio da varanda com um sorriso travesso.

- "Próxima vez"? Me sinto convidado a te visitar quase sempre.

- Se sinta em casa, Chat Noir. Tenha uma boa noite e se cuida. Conversar com você me fez muito bem.

- Você também Marinette. Conversar com você sempre me fez bem. Boa noite. - ele diz tudo meio rápido depois da primeira frase mas eu entendo metade. Ou acho que entendi. Prefiro não encher minha mente com esse tipo de coisa agora e vou em direção ao meu quarto, buscando uma Tikki dorminhoca no caminho. Pela primeira vez em meses, meu coração está menos pesado e minha mente mais leve. Quem diria que uma conversa tão aleatória no meio da madrugada me faria bem? E quem diria que essa conversa séria feita com Chat Noir? Eu acho que minha vida nunca vai deixar de ser meio maluca em relação a isso.

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⏰ Last updated: Dec 29, 2020 ⏰

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black sky - marichatWhere stories live. Discover now