O HOMEM DA PITEIRA

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Antonielo Picolino não era visto há mais de vinte anos e talvez já não estivesse vivo ou teria se acuado em algum lugar ermo, tendo como amiga a solidão que o acompanhou por boa parte da vida.

Mantinha-se afastado, numa convivência restrita aos peões das obras que executava, dormindo em caminhonetes e colchões finos, sem cobertas. Outro companheiro fiel era o tabaco, tão excessivo que, quando se conversava com ele, aquele fedor bravo que empesteava até suas roupas penetrava nas narinas e incomodava a alma do interlocutor.

O cigarro, consumido de forma desenfreada há muito, dava indicações marcantes de que queria sumir deste mundo, por bem ou por mal. Os pulmões engoliam de dois a três maços por dia, e no mesmo tempo, pesando uns cento e quarenta quilos, nada o impedia de trabalhar com firmeza e tocar uma fábrica de blocos e tubos de concreto.

Um dia faliu e, em outro, um acidente quase o fez perder uma perna, salva aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo. Colocaram entre a bacia e o fêmur uma prótese e passou a ter como fiel escudeira, por recomendação médica e também à facilitar o deslocamento e equilíbrio daquele corpo pesado, uma bengala para minimizar o desgaste do implante. O acidente limitara sua vida profissional, nada mais de ousar pelos caminhos irregulares, ora tortuosos, ondulados e desnivelados de um canteiro de obras.

Apesar da necessidade premente de emagrecer e abandonar o cigarro, a única medida que adotou foi aderir  ao uso de uma piteira para os cigarros tragados. O impedimento de poder caminhar com liberdade, o fez ganhar mais peso e, para maior conforto, passou a usar suspensórios para lhes segurar as calças.

Nessa situação difícil, tanto sob o ponto de vista das suas economias, como também do físico que afetara o psíquico, o chamado Picolino pediu socorro a um colega dos tempos de faculdade, Salomão Braunstein. Este, dono de uma construtora, estruturou uma filial em Córrego da Barra, terra natal de Antonielo, ficando sob sua responsabilidade as obras licitadas nas redondezas. Sentado o dia inteiro em seu escritório, apenas fazia controle burocrático, deslocando-se para as obras em casos de extrema necessidade  ou eventualmente para participar de reuniões.

Manteve um bom time de mestres, encarregados e chefes de turma, mão de obra avulsa necessária nos momentos de sobrecarga, que o acompanhavam desde os velhos tempos.

Era um engenheiro de qualidade, profundo entendedor, detalhista, dedicado e exigente sob o ponto de vista técnico. Manso com seus contratantes, usava de bastante jogo de cintura e uma agradabilidade interesseira. Quando não era esse o caso, sabia ser macio com os funcionários velhos, dos quais necessitava dos seus braços e pernas. Quanto aos demais e estando na posição de mando, era ladino, perigoso e excessivamente egocêntrico. Esse perfil talvez tenha sido inserido em seu caráter pelo longo período de vida sem ter tido a necessidade de aprender a dividir.

A análise de sua pessoa levava a discordâncias  quando um grupo se reunia, sendo ele o assunto.  Muitos consideravam ser indiscutível a presença de um excesso de avareza nas suas ações e por outro lado certa insegurança diante de pessoas recém conhecidas. Entretanto, navegava bem nos ambientes desbravados.

                                                                          Cont.....

ASSIM CAMINHA A HUMANI....OPS.   CADÊ A ESTRADA?Where stories live. Discover now