Poesia & Outras Poesias

Epitáfio

Aqui jaz um homem que viveu

Sem saber que ia morrer

Aqui jaz alguém

Que não soube apreciar

A beleza do sol poente no mar

Que não soube ver

O tesouro que é amanhecer

Ver o sol nascer

E ter a certeza de viver mais um dia

Seja na tristeza ou na alegria

Na solidão ou no amor

Na agonia ou na dor

Muita gente não vê

A chance de apreciar o sorriso de uma moça

Ou de poder beijar alguém na boca

Ou mesmo de ter a infelicidade

De viver na impossibilidade.

Aqui jaz um homem

Adepto do clichê

Por que não fiz isso, por que não fiz aquilo, por quê?

Se todos aproveitassem enquanto estão vivos

Ainda assim haveria arrependimento na morte

Nem mesmo uma pessoa de muita sorte

Conseguiria fazer

Tudo o que a vida tem para oferecer

Lhe digo sorrindo

Que seremos eternos arrependidos.

Aqui jaz mais um zé ninguém

Que morreu pé-rapado sonhando

A vida toda em ser rico

O que sobrou de mim o verme comeu

Nem com um centavo fico

Fico somente com o que da vida depreendi

Somente com o que aprendi

Caindo e levantando das quedas

Dos tombos que a gente leva

Nesta estrada esburacada da vivência

Morre comigo minha experiência.

Morreu junto comigo também

O anel de casado

O relógio atrasado

O terno deteriorado

E o coração parado.

Gostaria que tivessem tocado para mim

A Sonata do Luar de Beethoven

Nesta minha passagem para o além

Talvez tivesse dado um tom mais dramático

E mais pessoas tivessem chorado com meu fim.

Aqui jaz um morto

Sobrevivente de um aborto

Que é a sociedade

Senhor, agora lhe peço, tenha piedade

Deste poço de maldade

Que é a humanidade

Perdoai e salvai os corruptos

E os corrompidos também

Amém.

Aqui jaz um livro empoeirado

Cheio de manuscritos

Capítulos escritos

À mão, à olhos e à coração

Com a tinta de meu sangue

Com a pena de meu perdão

Este livro velho

Agora enterrado

Divertiu muitas crianças

Deixou muitas lembranças

Fez muitas lambanças

Mas aprendeu

Mas viveu

Mas

Morreu...