~ Capítulo 26 ~

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Revelação

    Catulo sentia-se o pior entre os miseráveis que cometem atos hediondos, ao ser pendurado no alto da viga de madeira em formato de cruz. O que era na verdade um castigo resistente imputado aos infratores, e tinha ali uma platéia de pessoas doentias, que assistiam o circo de sangue, como se estivessem nos jogos do coliseu.
   O calvário e os açoites que levava dos soldados romanos, deixava Catulo cada vez mais fraco e quase desfalecido.
   Em meio á tortura dilacerante do carrasco, o poeta só conseguia vislumbrar o rosto grácil de Juvêncio em sua mente e o amor que sentia por ele.
   De tanto levar bordoadas violentas e sofrer os piores espancamentos dos legionários no calvário, Catulo sentia a saliva tornando-se sangue amargo na boca. Ele próprio sentia a falta de um dos dentes da arcada dentária, o seu belo corpo elegante agora se encontrava deformado de feridas e machucados; Catulo tinha o corpo pendido e preso por cordas no mastro, seus braços estavam estendidos e amarrados e suas pernas também. Os soldados o deixaram nu, sem qualquer pedaço de trapo que pudesse tapar o seu sexo, pois queriam eles dar ao poeta uma humilhação pública.
E de fato conseguiram.
   Pois Catulo via-se completamente sozinho e preso naquele mastro, no alto da colina, de onde era possível ver todo o Império.
    Catulo resmoneava pedindo clemência e alegava sua inocência, mas os soldados zombavam dele chamando-o de vários apelidos truculentos que misturavam-se com as pedradas que as pessoas ali presentes lançavam contra ele; tão indefeso e pendido no alto do mastro de madeira, era a condição atual do poeta.
   Catulo pranteou e viu em si próprio, a vunerabilidade humana.
   De todas as filosofias, sofismas, estudos, e racionalidade extraordinária que o homem possa adquirir em cima da terra, não é páreo para ele quando o próprio humano é lançado diante dos perigos da terra, e ali em meio a sua agonia ou de frente pro seu algoz, se dá conta do seu estado frágil que a evolução permitiu que ele fosse assim.
Apenas vulnerável.
   O pranteio do poeta estendeu-se até o anoitecer, e viu ele aquelas pessoas que lhe desferiam hostilidades, indo embora.
   Mas eles retornariam pela manhã, pois queriam assistir a morte do condenado, e apenas ficara os três soldados para vigiar o poeta na cruz.
Catulo sofria o amargo da  crucificação.

***

   A autora desta história interrompe o discorrer da narrativa, para convidar os leitores a fazerem reflexões acerca da punição que era pertencente a época e dado aos criminosos, e introduz também uma  breve explicação sobre a crucificação, que é apenas conhecida nos dias atuais como " A crucificação de Cristo", deixando esse fato histórico passar despercebido aos olhos de quem lê, e sem que alguém atente para sua real existência e importância naquela época para a sociedade romana e suas províncias.
   A crucificação era a punição rigorosa para os criminosos da época, e também para os justos que ousassem questionar as leis romanas.
  Como era possível uma sociedade desse tempo assistir com esmero o romper de uma vida humana na aurora seguinte? mesmo que essa vida em questão seja a de um criminoso ou inocente? Muitas perguntas e reflexões desse gênero são feitas por aqueles que estudam Roma Antiga e suas leis vigentes daquela época.
  O circo de horrores e sangue em Roma, era um evento pela qual essa sociedade banqueteavam-se com o martírio dos condenados e também pelo fato de serem os privilegiados por viverem na abóbada de um império gigantesco em avante crescimento naquele período da história.
   Era o louvor á carnificina, um evento de tortura e vergonha.

    Retomando a narrativa da história, em especial, a parte em que o poeta Catulo encontrava-se pendido no alto da viga de madeira, ouvia-se os passos de uma mulher que se aproximava do local onde estava o poeta, e que fôra permitido pelos legionários  sua presença para visitar o condenado, no caso, o poeta.
Catulo fez um grande esforço com a cabeça para olhá-la e reconheceu aqueles traços delicados.
   Era a ex-amante Lésbia.
    Fica evidente neste capítulo, que após deixar Juvêncio aos prantos no templo de Dionísio, Lésbia seguiu rumo ao local da crucificação onde o ex-amante padecia.
Antes de começar a falar, ela lançou ao ex-amante um olhar de compaixão pelo estado deplorável em que ele se encontrava, preso e suspenso no alto da cruz.
Tu és o próprio culpado de toda essa vergonha que estás passando! — exclamou ela, quase na iminência do choro.
— Mulher que veio fazer aqui? Esse lugar funesto não é para damas de sua finura que cheira a óleos perfumados! — retrucou ele, soltando um leve gemido de dor.
— Meu adorável Catulo, te amo tanto que só em vê-lo padecendo nesse lugar cruel, me inclino a joelhar diante de ti e rogar perdão por ter sido um vaidoso e estúpido para comigo... — falou ela, exibindo os lacrimejos dos olhos.
— Minha amada flor de lótus! Sei que muito a magoei, mas saiba que não foi por vaidade e tampouco por abandono. Os sentimentos que carregamos na mente são verdadeiros escorpiões traiçoeiros que habitam em nós e que estão sempre prontos a nos picar. Doce senhora, peço-lhe que não chore por minha partida desse mundo de tolos, e nem culpe a mim, pois como pode ver, minha atual situação não é das melhores e... — retrucou ele, sentindo a dor latente na lombar e faltou-lhe voz para falar.
— Pare!  — bradou ela, indignada.
— A senhora parece estar possuída de um demônio que não a deixa falar com o uso da razão... — comentou ele, perplexo com a reação descabida da ex-amante.
— Catulo, tenho uma proposta para ti. — Disse ela, que parecia bastante desorientada e decidida.
— Proposta? — inquiriu ele, desconfiado. 
— Sim, meu amado. Eu tenho uma proposta crucial que poderá levá-lo á soltura ou mesmo sentenciá-lo á morte. — retorquiu Lésbia.

Ao ouvir as palavras acaloradas e firmes da ex-amante, o poeta tentava lutar contra a dor que teimava em latejar todo o seu corpo, e tentava também manter a razão do cérebro em perfeito equilíbrio, pois sabia Catulo que Lésbia não teria ido ali em vão se não tivesse algo em troca para ofertar á ele, no caso, o pedido de clemência ao Imperador para se salvar da morte.
O diálogo seguinte entre os exs-amantes, tornaria o futuro de ambos a decisão mais difícil de se escolher entre todas as filosofias da terra.
— Eu a ouvirei. — Disse Catulo.
— Volte para sua Lésbia, em troca o libertarei da morte. Tenho sua vida aqui na palma de minha mão, caro amado. — externou a mulher.
— Não. Lésbia, minha resposta de antes continua a mesma daquele bilhete. Não, é a minha resposta final. — respondeu ele, firme.
— Tolo! Desgraçado! Vais morrer amanhã e sua carne podre será dado como comida aos cães famintos! Teimas com essa resposta ao invés de voltar para os braços de sua amada, acaso acredita que aquele fedelho chamado Juvêncio virá em teu socorro? Ora, pois te informo que amanhã mesmo ele jazerá pela ponta da tua própria adaga e nem mesmo o deus Dionísio o acudirá quando ele sucumbir ao alvorecer! — vociferou Lésbia, deixando o ódio misturar-se com suas lágrimas derramadas dos olhos flamejantes.
— O que dissestes mulher? Como a senhora ficou sabendo da existência do meu Juvêncio? Não me digas que és tu a principal responsável por tamanha desgraça ter se abatido sobre mim, sendo eu inocente? Eu exijo uma resposta, sua maldita! — retrucou Catulo, tentando se livrar das amarras que o prendia na viga.
— Catulo, seu maior erro na vida foi ter me abandonado como se nunca eu tivesse existido na sua vida. Éramos amantes, mas sua luxúria descontrolada colocou você nesse martírio. Eu apenas me vinguei de ti e daquele traste que eu chamava de  marido. Vai padecer por não ter me amado! Amanhã o seu adorável Juvêncio estará morto e você também! Eu prefiro vê-lo morto do que vivo e dando seus beijos á outro, se não for eu, a contemplada! — externou Lésbia, rindo do poeta, era um riso de desespero e desalento.
Catulo usou toda a força dos pulmões e esbravejou inúmeros palavrões e ofensas contra Lésbia.
Desorientada, ela deixou o local e o ex-amante para trás.
" Juvêncio, meu adorável ! Não se mate por mim, sua vida é valiosa, eu te amo meu doce amor!" Murmurava o poeta, completamente desconsolado.
   De tão abatido pelas dores que latejava seu fraco corpo, Catulo mal distinguia em si o que era dor física e emocional, pois temia pela morte do jovem amante. Ele sentia que suas forças desfalecia á medida que a sua respiração tornava-se fraca e lenta.
   Antes que o sol aparecesse, Catulo foi despertado pelos legionários, que se puseram a livrá-lo do alto da viga.    Eles o livraram das amarras das cordas.
   Catulo sentiu os pés tocando o chão frio de terra, e viu que um dos soldados tinha em mãos um rolo de pergaminho, abriu e leu para ele.
   Era a clemência de César dada á ele. E tinha o selo Imperial do anel do Imperador impresso na folha, que o legitimava como uma ordem real vinda diretamente do César.
   Ao ouvi-lo, Catulo deixou-se quase cair o fraco corpo no chão, mas um dos soldados o aparou e disse á ele: —  poeta, tu tem amigos influentes! César o quer vivo. Tome, vista-se e saia deste lugar.
   O legionário deu um embrulho ao poeta. Era uma túnica, sandálias de tiras de couro e frutas.
   Catulo deixou o lugar às pressas e ingeriu as frutas na boca. Estava fraco e faminto.  Ele não conseguia consertar os pensamentos, pois todos estavam ligados diretamente ao amado, que deveria estar quase na iminência de cometer um suicídio.
  O poeta seguiu desesperado atrás do jovem amante.
   Bem próximo do calvário onde estava Catulo preso na viga, via-se um oficial romano sentado entre as pedras. Ele parecia estar ali há muitas horas, e pela sua fisionomia de assombro, tinha escutado toda a prosa entre Lésbia e o poeta.
   O oficial exibia um semblante sombrio de quem está prestes a fazer o mal. Mas ele fôra despertado de seu transe por um dos legionários.
— Centurião Caleno, procuramos o senhor a noite inteira. César deu o revogo de clemência para o poeta. Ele já está livre da crucificação. — falou um dos legionários.
Caleno aproximou-se dos soldados, mas parecia não ter escutado ele e nem os vistos na sua frente.
O oficial colocou o elmo no alto da cabeça, em seguida, montou no cavalo e saiu em disparada a rápidos galopes, deixando os soldados para trás.  

Juvêncio ~ Olhos de Mel (Concluído)Where stories live. Discover now