Capítulo 22 - Artur

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Lucas foi o primeiro a entrar na sala. Estava encapuzado e era arrastado por dois guardas de porte e rostos assustadores. Foi colocado à certa distância, contudo exatamente na frente de Artur, que lutava para não ter reações infantis, como chorar ou urinar nas calças, mas, principalmente, para não gritar e correr em direção ao amigo. 

Depois, dois outros guardas trouxeram outra pessoa, amarrada pelas mãos e pelas pernas, também encapuzada. O corpo era de uma mulher e não esboçava reação. Desceram um gancho pelo teto, prenderam-no na roupa dela. Pouco depois, ela foi erguida e seu corpo mole ficou lá em cima, balançando de um lado para o outro. 

- Muito bem, pentelho - disse Zion, retirando o capuz do rosto de Lucas - Vamos ver se a cara sem vergonha do seu amiguinho te diz alguma coisa.

Lucas o encarou. Um dos olhos do rapaz estava roxo, inchado e mal se abria. A boca sangrava, e o menino teve certeza de que ali faltava algum dente. Artur não conteve o grito. Correu em direção ao mentor, porém, foi contido por um guarda, que o jogou no chão. Ele caiu sentado, derrapando, sem mais conter as lágrimas.

- Ora, ora. Vejo um lapso de efeito se formando. Tirem a camisa do amigão aí, vamos ver o que mais temos pra mostrar.- Os homens que assistiam àquela cerimônia deram muxoxos de aprovação. 

Os guardas responsáveis por Lucas rasgaram a camiseta escura e imunda dele. Seu peito era uma confusão de rabiscos vermelhos. Filetes de sangue seco deixavam a pista do lugar por onde cicatrizes se estabeleceriam um dia. Artur desviou o olhar das feridas para o rosto deformado de Lucas, e leu a mensagem do amigo: Fique firme. Não diga nada. Não se importe comigo. Cuide de você. Vai ficar tudo bem.

- DE PÉ, PIRRALHO! - Zion gritou e Artur sentiu o coração parar. Levantou-se vagarosamente e abaixou a cabeça. Não queria mais encarar a situação drástica em que Lucas, seu protetor, se encontrava. Não sabia por quê, mas sentia-se culpado.

- Se você não erguer essa cabecinha idiota, as coisas vão ficar piores pra ele. Que tal isso? - desferiu um golpe no rosto de Lucas. Ele cambaleou e quase caiu no chão, deixando escapar um gemido. Artur ergueu a cabeça, mas fixou o olhar em um ponto acima da cabeça do rapaz. Zion prosseguiu.

- Assim está melhor. Vamos recomeçar: de onde você veio?

- Da floresta, senhor. - Artur não reconheceu a própria voz, agora fria e trêmula.

- Eu sei, burrinho. Quero saber: onde nasceu? De onde vocês vinham antes de serem capturados?

- Sou de uma vila próxima à Ponta Quebrada. Viemos da floresta.

- Esqueceu do "senhor" no fim da frase, moleque. TRAGAM O MARCADOR! Em brasa, por favor. - Zion sorria cruelmente. 

Um guarda trouxe um bastão de ferro. A ponta desse bastão terminava em uma grande letra Z, brilhando vermelha, laranja e amarela, adornada por uma clara nuvem de fumaça. Artur até mesmo achou que de longe podia sentir o calor que ela emanava. 

Sem o menor aviso, Zion tomou o marcador das mãos do guarda e o apontou para o alto. A letra Z foi gravada no pé direito da mulher pendurada no teto, em meio a um grito ensurdecedor de dor. Zion gargalhou e a platéia bateu palmas e assobiou. Estavam adorando o espetáculo.

Artur sentiu as pernas bambas. Esquecera-se de Lucas por um instante para observar a horrível letra negra agora marcada na sola do pé da mulher, em carne viva. A prisioneira ainda gemia e chorava baixinho. A voz do comandante tirou o menino do transe.

- Próxima pergunta, garoto. Vocês fazem parte de algum grupo rebelde? - ele andava de um lado para o outro, brincando com o bastão. - Conspiram contra o governo? Sabem demais?

Não, senhor. Andávamos juntos porque estávamos perdidos, por acaso. - A boca de Artur estava seca. Como suas mãos tremiam, ele as escondeu por debaixo da camiseta. Ficou com a aparência ainda mais inocente, mas o chefe da guarda ignorava isso por completo. Não tinha pena.

- Resposta insatisfatória. - Duas palavras simples e a mulher ganhava na sola do seu outro pé uma nova marca. Dessa vez, Zion manteve a brasa por mais tempo no pé dela e cantarolou displicentemente em meio a novos gritos de dor e aplausos. 

- PARE! - gritou Artur - PARE COM ISSO, POR FAVOR!

O marcador foi atirado aos pés de Artur, que tropeçou e caiu no chão mais uma vez. O comandante Zion dirigiu-se a um guarda que, obedecendo ao seu estalar de dedos, liberou a corda que prendia o gancho em que a mulher estava pendurada. O corpo caiu no chão com um estrondo, deu apenas um gemido baixo e permaneceu inerte.

Artur fechou os olhos. Respirou fundo. Reabriu e olhou para Lucas. Em sua força, o amigo havia mantido o silêncio e a compostura. O menino mal conteve em seu peito a admiração que sentia. Lucas ousou mexer os lábios. Artur leu: Calma. Engoliu em seco, evocou um pouco daquela rigidez e lembrou-se de porque tinham chegado até ali. Rastreadores. Formação de exércitos. Pessoas forçadas a trabalhar para a implantação de um novo sistema. Tortura. Sua mãe. Seu pai. Sentiu lágrimas escorrendo pelo rosto. Não deixaria tudo ser em vão.

Zion foi até Artur e ergueu o menino do chão pela gola da camisa. Levou-o, dessa maneira, até Lucas, fazendo-os ficar cara a cara. Artur esperneava, mas, ao se aproximar do rapaz, aquietou-se. Parou de chorar. Encararam-se. Ouviu a voz do comandante perguntar:

- Diga-nos o nome do seu colega aqui. Qual é? FALE. AGORA. 

Artur respirou fundo. Durante aquela violência interminável, ele conseguiu ser um pouco racional. Para se acalmar, repassara os momentos ao lado de Lucas, Anele e Makai. Como, apesar de tudo, sentiu-se protegido, seguro, e bem informado. Todas aquelas conversas; ele não esquecera-se nada do que lhe havia sido contado. A Nova Era. E diante de nomes embaralhados que ouvira nessas conversas, e que agora pairavam em sua mente, Meridan, Viktor, Lorna Thiegan, surgiu-lhe um que pareceu totalmente correto quando pronunciado. 

- Theo. O nome dele é Theo Garlan.

Crônicas da Nova Era - A BuscaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora