Capítulo 3 - Artur

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- Abra um pouco o olho dele, Makai, e dê uma espiada. Acho que você bateu forte demais. 

Artur escutou uma voz feminina falando ao longe, quase um eco. Depois, sentiu suas pálpebras serem levantadas e enxergou um vulto embaçado à sua frente. O esforço para tentar focalizar a imagem fez sua cabeça doer fortemente e ele gemeu.

 - Veja só, ele deu sinal de vida. Eu disse que não tinha com o que se preocupar, não disse, Anele? Meus golpes são certeiros e perfeitos para desacordar, mas sem maiores danos. Agora temos que esperar Lucas voltar. Aí sim saberemos melhor o que fazer com esse cara.

Se não estivesse se sentindo tão mole, Artur teria se mexido. Ele também desistiu dessa tentativa por não saber de quem se tratava as pessoas que estavam ali vigiando. E se o agredissem novamente? Já bastava, por hoje. Sujo, com fome, machucado, sem a mãe e sem entender nada do que estava acontecendo já era o suficiente. Respirou fundo e tentou anuviar a mente. Seus vigilantes continuaram calados, mas ele podia sentir a presença deles caminhando ao seu redor; sentia-se, aliás, desconfortavelmente observado. 

Atento, não demorou muito para que Artur percebesse passos pesados se aproximando. Ele apurou os ouvidos e arriscou abrir uma frestinha do olho esquerdo para espiar. Porém, nenhuma pessoa se encontrava em seu campo de visão. Mas logo uma voz masculina disse:

- Vim o mais rápido que pude. Onde está o garoto?        

Uma mão morna encostou na testa de Artur, que rapidamente fechou o olho novamente. Ele também sentiu dedos checando sua pulsação no pescoço. E, que droga, o coração dele estava extremamente acelerado. Ele não conseguiu disfarçar.

 - Pode se manifestar, amiguinho. Sabemos que você está acordado. - provocou a voz.

Artur respirou fundo e abriu os olhos. Por um momento, enxergou tudo duplicado, mas em poucos instantes sua visão já havia focalizado seus sequestradores, reunidos de pé bem acima dele. Aliás, ficou imaginando se podia chamá-los assim, ou se "algozes" não seria um termo mais apropriado. Estava deitado em uma maca, quase como uma cama de armar. Percebeu que se encontrava em uma barraca de lona bege, bem gasta e com alguns buracos no teto. Sentiu medo. 

- Estou com fome. - foi tudo o que conseguiu dizer.

Um par de mãos o ajudou a ficar sentado. Então ele observou mais detalhadamente cada um: uma menina, adolescente, talvez de uns dezesseis anos, colocava dois pães e uma maçã num prato para ele, retirados de uma caixa velha no chão. Tinha cabelos loiros, mal cortados e aparentemene sujos, olhos verdes e pele sardenta. Vestia algo vermelho que com certeza em tempos melhores havia sido um vestido, e calçava tênis velhos. Ela entregou a comida para Artur, que começou a comer avidamente. 

 - Água. - pediu. 

A menina se virou, mordendo os lábios apreensiva, e tirou da caixa um cantil. Artur deixou o prato de lado por um momento e bebeu tudo de uma vez só. Depois, voltando a comer o último pedaço de pão, observou os outros dois garotos que estavam ali. Um deles era corpulento, algo que ficava entre forte e gorducho. Tinha os olhos puxados, os cabelos bem lisos e pretos. Usava camiseta e calças pretas, bem gastas, e calçava algo parecido com botinas marrons, não dava para ter certeza porque haviam folhas velhas pregadas com lama nelas. Estava parado de braços cruzados, como se fosse um guarda e batia o pé impaciente. Devia ter mais ou menos a mesma idade que a menina.

- Sua barriga já está cheia. Agora, desembuche. Quem é você?

O garoto que falou com Artur era claramente o líder daquilo ali, fosse o que fosse. Tinha a fala e olhar firmes, tinha postura. Os cabelos castanhos caíam na testa em ondas bagunçadas; era alto, os olhos cor de mel transmitiam imposição. Ele estava parado com as mãos nos bolsos de calças cáqui, que vestia com uma camiseta branca bem suja. Nos pés, coturnos pretos manchados de terra.

- Meu nome é Artur. 

- E como é que você chegou aqui? - o garoto prosseguiu com o interrogatório, sério.

- Eu não sei. Eu estava pescando com a minha mãe. O lago ficou louco e virou a nossa canoa. Em um minuto eu estava caído na terra e não sei exatamente o que houve. Me perdi da minha mãe. Eu só segui por aí para tentar encontrar alguma coisa. Até alguém me bater na cabeça e me trazer pra cá.        

Artur respondeu tudo falando de uma vez. Se fosse parar para pensar, poderia cair em contradição e irritar aquelas pessoas, nunca se sabe. Mas tudo o que o suposto líder fez foi olhar apreensivo para os outros e engolir seco. 

- Artur... Quantos anos você tem?

- Doze.

Um véu de pânico se estendeu sobre o ambiente. Olhares de surpresa foram trocados e Artur não se aguentou. Se já estava sendo feito de prisioneiro, pelo menos tentaria obter informações. Disse, tentando soar seguro apesar da tensão no ar:

 - Agora é a vez de vocês. Onde eu estou e o que é que está acontecendo aqui? O que era aquele prédio? Por que vocês me trouxeram pra cá?

- É oficial. Os rastreadores estão com uma falha ainda maior do que imaginávamos, especialmente para captar idade, pelo visto. Isso é perigoso. Quer dizer que pessoas ainda mais novas vão chegar por aqui. Não consigo definir bem um posicionamento sobre isso agora.

A resposta do garoto mais velho não foi direcionada a Artur. Na verdade, ele tinha se virado de costas e caminhado para a porta da barraca, como se falasse sozinho. Mas Artur viu seus companheiros menearem a cabeça em compreensão, e entendeu que aquilo era um comunicado geral, e que todo mundo ali, exceto ele, sabia do que se tratava.         

- Ei, - repetiu, cansado - podem me explicar, por favor? Eu realmente preciso saber onde estou. Eu preciso achar a minha mãe. E eu preciso voltar pra casa. - Terminou de falar quase em súplica. 

A garota respondeu, dessa vez.

- Meu nome é Anele. Este é Makai - ela apontou para o menino gorducho, que cruzou os braços e se balançou de leve no mesmo lugar, dando um meio sorriso - e aquele ali - indicou com o dedo o outro garoto, ainda parado de costas - é o Lucas. E nós chegamos aqui, Artur, exatamente do mesmo jeito que você. 

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