Capítulo 8 - Artur

142 7 2
                                    

Artur nem sentiu o impacto da queda. Ele foi ofuscado por sentimentos confusos sobre ser burro demais para conseguir fazer as coisas direito. Olhou para cima, tentando enxergar os outros, mas só conseguiu ver o rosto de Lucas, vermelho e suado, um misto de raiva e incredulidade, coberto por algumas folhas da árvore.

Para tentar evitar um movimento maior, do jeito como caiu no chão, Artur ficou. Tentou acalmar a respiração, mas o estrago já tinha sido feito. Passos se aproximavam do lugar onde ele estava e logo ele ouviu a voz grossa de um homem.

- Foi por aqui, eu ouvi, tenho certeza. Temos que tomar cuidado com as execuções, seu idiota. 

Outra voz, também de homem, mas um pouco rouca, revidou:

- Ora, pois! A ideia foi sua! Olha só quanto sangue em nossas roupas. E não deu tempo de ocultar os cadáveres. Se Meridan descobrir esse trabalho mal feito...

- Shhh. - disse o outro. - Não temos tempo para discutir isso agora. Tem alguém por aqui. É bom que nos livramos de todo mundo de uma vez.  Depois pensamos no resto.

Silêncio. Passos. Silêncio. Passos. 

Artur tinha certeza absoluta de que seu coração batia alto o suficiente para acordar uma cidade inteira. Mas não foi isso que atraiu os homens. Um deles, avistou finalmente o corpo do garoto na base da árvore. 

- Olha ali! Viu? Eu sabia. Venha, vamos chegar mais perto. Parece ser um corpo, aquilo ali é um pé, sem dúvidas. 

Artur fechou os olhos rapidamente e endureceu o corpo o melhor que pode. Sentiu a proximidade das pessoas ao ouvir a voz mais rouca falar, e ao cheirar um bafo fedorento diretamente no seu rosto. 

- Um garoto, hein? Não parece novo demais para estar aqui? 

- Veja só - falou a outra voz - Ele tem um... facão? - Artur sentiu remexerem em sua cintura, alisando a arma - Que coisa mais esquisita. Isso é tudo muito suspeito. Sacuda ele aí, vamos ver se ele se mexe, e aí dep...

A frase não chegou a ser terminada. foi interrompida pelo outro homem, que gritou em alarmado, em aviso.

- CUIDADO!

Artur escutou um baque. Aparentemente uma confusão já se armara e qual o problema em abrir os olhos? Nenhum, decidiu. Foi o que fez, a tempo de ver Anele se posicionar bem em cima dele, com o facão em riste e Lucas e Makai se jogarem em cima dos homens.

Um tiro ecoou e um dos homens caiu sentado, praguejando, com a mão nos joelhos. Outro tiro, e estava acabado. Veio de Makai, que, tendo o facão jogado no chão, revelou-se munido com uma bela escopeta. Artur percebeu que o morto vestia um uniforme cinza. Cinza da cor do prédio onde seu pai estava. Guardas? Era o que parecia.

O outro guarda correu, desarmado, tentando fugir, mas foi alcançado por Lucas. Artur foi esperto o suficiente para desviar o olhar e não viu quando este, depois de acertar um chute nas costas do guarda restante, cortou a garganta do homem com seu próprio facão.

O menino sentiu as costas suadas irem de encontro ao tronco da árvore. Sem perceber, tinha se arrastado para o mais longe possível daquilo tudo. Anele se aproximava dele, preocupada.

- Está tudo bem? - perguntou ela.

Artur não respondeu, porque logo quem estava cara a cara com ele era Lucas, furioso, o dedo apontado diretamente para o seu peito.

- Nunca, em hipótese alguma, faça uma porcaria dessas novamente. 

E saiu andando furioso. Anele o seguiu e Artur entendeu isso como um sinal para se recompor e ir em frente também. Ao se levantar, porém, Makai passou e deu um tapinha amigável em suas costas.

- Valeu, Art. Era exatamente disso que a gente estava precisando. Quer dizer, eu pelo menos estava. - e riu.

- Você acha que Lucas vai ficar irritado por muito tempo? Eu só caí, eu não tive a intenção e isso tudo o que vocês fizeram...

Makai acariciou a escopeta.

- Não se preocupe, Art. Conseguimos duas dessas, Lucas está com a outra. Como você acha que conseguimos nossas armas, hein? Bom, além disso, não foi a primeira vez que algo assim acontece. Estamos... gostaria de dizer "preparados", mas acho que "treinados" é o melhor termo. A gente se vira. Só não pode ficar frequente. Vão encontrar esses corpos aí em questão de segundos. 

Ambos olharam Lucas e Anele já a alguma distância, escalando um pequeno morro gramado com dificuldade. Artur suspirou. Nunca tinha presenciado a morte tão de perto, repentina, fria e violenta. Realizada assim, por pessoas tão novas. Apertou o facão na cintura e se perguntou se teria que agir assim em algum momento. Rezou para que não. Anele acenou para eles, já acima do morro.

- Se apresse, cara. - Makai foi andando na frente. - Deixamos rastros demais. - Piscou e saiu correndo para alcançar os outros.

Foi com muito custo que Artur fez o mesmo. Começou a se perguntar como ainda conseguiria se manter de pé e enfrentar sabe-se lá mais o que o esperava. Agora, já era o último da fila. Em sua fúria, Lucas ia mais rápido que o restante do grupo e ninguém mais parecia se preocupar se Artur os acompanhava ou não. 

Dentro do que pareceu uma eternidade, mas foi pouco mais de meia hora, eles finalmente chegaram ao seu destino. Uma estrutura de metal em formato cilíndrico os aguardava, enferrujada e coberta por musgo verde e úmido, quase que camuflada na paisagem. Tiveram de entrar por ela, agachados. Próxima parada: um buraco escuro no chão sujo, protegido por um pedaço torto de algo que parecia uma lata. 

Sem dar instruções, Lucas foi na frente, empurrou a tampa de latão para um lado e se jogou. Makai foi em seguida, lançando antes um olhar encorajador para Artur. Anele ficou para trás, cedendo sua vez para o menino, que fechou os olhos e se atirou sem pensar muito. De que adiantaria questionar? Estava bem curioso, por mais que relutasse em assumir.

Foi recebido por uma rede macia e poeirenta. Cuspiu um pouco de pó, esfregou os olhos e sentiu Anele aterrissar ao seu lado. Ela o ajudou a se levantar e ambos ficaram de pé encarando pouco mais de uma dezena de pares de olhos curiosos. Rostos jovens, sujos, esfomeados. 

- Bem-vindo à sede provisória dos R.Q.N.C3, Artur. - disse Anele, sorrindo um pouco orgulhosa.

- R.Q.N.C3? - perguntou Artur, boquiaberto.

- Rebeldes Que Não Conseguiram Chegar à Central. Não dava para colocar muitos C's no final da sigla, ficaria mais longo do que já é... Parece ridículo, não? Mas agora você é um de nós. Tente não fazer nenhuma besteira por aqui. - explicou ela, os cabelos loiros e imundos emoldurando o rosto sardento, e o sorriso ainda mais aberto.

Crônicas da Nova Era - A BuscaWhere stories live. Discover now