Capítulo 12 - Artur

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Ninguém sentiu minha falta, pensou Artur, enquanto caminhava. Não vieram atrás de mim, ou pediram para que eu ficasse. Isso aumentou o sentimento de que era realmente melhor ficar longe dali. Achou um pouco bobo, mas afinal, ele sempre fora um anexo naquele trio unido formado por Lucas, Makai e Anele.

Nos poucos momentos passados na sede do R.Q.N.C3, Artur estava deslocado, não soube fazer contato com o restante do grupo, nem teve coragem de pedir para alguém apresentá-lo aos demais. Talvez ele tenha agido precipitadamente ao sair de fininho, mas em algum lugar do seu coração, algo dizia que ele precisava ficar sozinho. 

Agora sabia o suficiente sobre o que acontecia no mundo ao seu redor e poderia tentar traçar um plano para encontrar a mãe, ou o pai. Fazer como Hiam, o traidor, e seguir alguém. Ou mesmo ficar por aí e deixar-se ser encontrado. Quem sabe, indo para a Central, teria algum sinal de seus pais. É, talvez isso fosse o melhor.

Ao sair da área dominada pelos escombros, Artur familiarizou-se com as árvores densas que tanto vira no começo de sua grande aventura, se é que poderia chamar assim. Mais um pouco de caminhada e estaria de vez embrenhado na floresta. 

Por alguns segundos perdeu-se em pensamentos confusos e definições de rotas, mas nem sabia o que estava fazendo, distraído. Ainda bem que um barulho ao longe trouxe-o de volta à realidade, e nem o assustou. Ele olhou para os lados, procurando de onde veio aquilo. Era alto, agudo, repentino... era... um tiro? 

Artur sentiu as pernas bambas. Que ótimo, pensou. Se eu já não conseguia fazer nada direito em grupo, imagina sozinho. O tiro pareceu distante, mas ele ficou em alerta. Até então, tinha caminhado sem nem olhar para trás. Apreensivo, resolveu dar uma olhada, para desencargo de consciência (e para checar se adiantava correr, é claro). O sol agora começava a se por. 

À distância, Artur viu contornos difusos de um grupo padronizado: roupas, botas, armas. Guardas, soube de imediato. Do outro lado, um ponto alto e disforme - Makai, segurando Anele no colo. Seu coração remexeu-se violentamente colocando em dúvida a sua decisão de se afastar do grupo. Mesmo que nada pudesse fazer para ajudar, estariam juntos. Sentiu-se culpado por estar, até então, muito mais a salvo que eles.

Mas eles tinham Lucas... que não estava à vista. Artur tremeu. De medo, por ver que agora Makai corria; Anele provavelmente deveria estar em seus ombros, e por ver que outro tiro havia sido disparado na direção deles.

Preciso ir até lá. Preciso chamar a atenção daqueles guardas para mim. Quanto eles são? Oito, dez? Não consigo contar. Será que todos virão até mim? Mas é isso que vou fazer. Vou desviar a atenção deles. Preparou-se para correr. 

Alguém foi mais rápido que ele. Do outro lado, ele viu uma comoção. Duas pessoas, inicialmente, atacaram o grupo de guardas. Duas outras apareceram. Eles atiraram, sim, mas também apanharam, e desorganizaram-se. Artur não conseguia enxergar muito bem para entender o que melhor o que estava acontecendo, mas viu que Makai e Anele distanciavam-se cada vez mais. Artur sentiu admiração pela força e determinação do rapaz, salvando dessa forma a vida de uma amiga. 

Um guarda dispersou-se da confusão criada. Seguiu, correndo, com a metralhadora apontada na direção de seus amigos. Droga. É agora, então. Respirou fundo, e começou a correr em direção à confusão, gritando:

- EI! EI! OLHEM PRA CÁ!

Infelizmente, ainda estava longe demais. Ninguém nem se deu conta dele, porém, ele não desistiu e continuou firme, correndo, tropeçando, berrando. Até que alguma coisa pesada o atingiu pelo lado esquerdo, derrubando-o no chão.

Alguma coisa não. Alguém. Era Lucas.

- Pelo amor de Deus, não crie mais problemas do que já temos agora. Cale já essa boca. Eles sabem se virar.

O rapaz estava por cima de Artur, o rosto suado e vermelho bem próximo do dele, a expressão mesclada de raiva e desespero. Permaneceram ali por algum tempo, os corações acelerados em completa sintonia, caídos no chão, sem mover um músculo, camuflados na sujeira e no silêncio. Não olharam novamente ao longe, para ver o que estava acontecendo. Escutaram vários tiros, até que tudo ficou silencioso. 

Lucas saiu de cima de Artur. O corpo do menino estava dolorido por causa do peso do outro, que era muito maior e muito mais forte que ele; agora Lucas se afastava de quatro e Artur o seguiu. Do lado esquerdo de onde se localizavam, a abundância de árvores já recomeçava, e eles se arrastaram assim até encontrarem um tronco amplo para se rescostarem sentados. Agora, o céu já estava azul escuro, a noite começava a cair.

Ficaram em silêncio por algum tempo, até que Artur disse bem baixinho,

- Desculpe. 

- Pelo que? - devolveu Lucas, ríspido. - Por surtar em uma hora inadequada, por fugir, por quase piorar tudo ainda mais? Pode escolher.

- Acho que... por tudo. E por falar com você daquele jeito. Eu sei que você tem esses seus motivos. Eu não queria realmente que todos nós nos separássemos assim.

Lucas fechou os olhos e apoiou a cabeça no tronco da árvore. Artur ficou nervoso, não sabia se deveria insistir, dizer alguma outra coisa, ou simplesmente esperar. Um novo período de silêncio estendeu-se sobre os dois. Lucas reabriu os olhos e encarou o menino.

- Sabe, Art. Desculpe-me, também. Mas a minha luta nessa causa é maior do que se imagina. As coisas estavam bem no lugar em que vivíamos, não precisamos de reformas, de poder, de dominação. Éramos uma sociedade organizada e pacífica. E agora... Não sei, eu vi coisas demais para ter certeza de que precisamos nos reunir de uma forma melhor para ir contra essa maré. Eu vivi coisas demais, e passei por outras tantas... Só desejo que tudo permaneça como era antes.

Ele alisou as marcas que tinha nos pulsos. Eram profundas. Artur nunca tinha reparado de verdade nelas antes. Atreveu-se a perguntar:

- O que aconteceu com seus pulsos?

- Essas cicatrizes são fruto de um período conturbado, em que eu estive no pior lugar que poderia existir e conheci de perto o verdadeiro motivo que me faz ir contra toda essa reestruturação. São as lembranças de que eu tenho que tentar, ou pelo menos ajudar, a acabar com isso de uma vez por todas.

- O que você quer dizer com isso, Lucas? - Artur sentiu-se incomodado. Engoliu seco, entendendo que Lucas ia revelar algo importante. E, quando ele falou finalmente, soou quase óbvio.

- Quero dizer, Art, que eu passei um tempo na Central. E que eu consegui fugir.

 

Crônicas da Nova Era - A BuscaWhere stories live. Discover now