Capítulo 10: Um Final Possível

1.7K 86 28
  • Dedicado a Elde Bueno
                                    

Quando eu acordei, estava em uma tenda, com vários outros leitos improvisados no chão. Muitos homens com fraturas expostas e queimaduras gemiam desconsoladamente. Havia alguns idosos e mulheres. Sinal de que a masmorra subterrânea da casa real, pra onde todas as crianças foram enviadas, ou havia sido totalmente destruída ou se manteve intacta. Preferi me ater à segunda possibilidade.

Eu mal me mantinha acordado. Havia perdido muito sangue, a clériga de D' Parth me dissera. Alimentavam-me, trocavam minhas bandagens, e me curavam magicamente. Não sabia quanto tempo estava passando, nem se Elde ou qualquer outro conhecido estava vivo. Às vezes acordava com os gritos horríveis de pacientes que estavam sendo amputados. Toda vez que recobrava brevemente a consciência, sentia a sensação de que a tenda estava cada vez mais cheia.

Até que, em algum momento, acordei. Apesar da dor, foi como se tivesse dormido na noite anterior e agora estivesse despertando para mais um novo dia. Esperei alguma clériga se aproximar, e a chamei, confuso:

— Que horas são? Que dia é hoje?

— Bom dia, senhor Lazarsfeld — ela respondeu solicitamente. — São só dez da manhã. Dezesseis de novembro. Mais ou menos uns três dias desde a batalha.

— Bom dia, senhorita. O que aconteceu? Está tudo bem?

— O dragão foi derrotado, senhor. As ruas estão pintadas! Enquanto o Exército recolhe os destroços e lhes taca fogo, o povo tem festejado, com música e bebida.

Mais algum tempo se passou. Eu encarava o teto da tenda, quando Theos se aproximou devagar com suas muletas de madeira. Sua perna direita estava enfaixada. A atenção de alguns acamados se voltou para nós.

— Olá — eu cumprimentei sem muita emoção.

— Foi você, não foi? — ele perguntou. Virei-me para seu rosto.

— Sim. Eu o acertei.

— Não fosse você, Adelaide estaria destruída. Nenhum de nós foi capaz de acertá-lo. Só começamos a vencer depois que a flecha o atingiu.

Muitos dos pacientes eram soldados e por isso olhavam incrédulos. Eu não tinha nada a dizer sobre isso.

— E as crianças?

— Todas salvas. Mesmo com o desmoronamento da casa real, a câmara subterrânea não foi atingida. Nenhuma criança morreu na batalha.

— Que bom — não pude deixar de pensar não só nos órfãos, mas nas crianças que brincavam pelas ruas. Algumas provavelmente filhas de homens que se recuperavam ali junto de mim.

— O estrago não foi tão grande comparado ao primeiro ataque. Nossos planejamentos deram certo. Ainda houve mortos e feridos dentre civis, mas muito menos comparado a outra vez. Foram mais os soldados que sacrificaram suas vidas, como o Klaus.

— Eles nunca serão esquecidos.

— Sei que não. Apesar de isso não servir de consolo às viúvas e filhos...

— E Elde? — eu perguntei, demonstrando uma vergonha sem razão.

— Está bem. Inteira.

Um silêncio de compreensão se seguiu. Theos sabia o quanto eu amava Elde. E eu sabia que não seria possível consumá-lo novamente.

— Entramos em contato com o Império Oceano. A ideia é mandar Egon para lá. Mesmo a lágrima do Leviatã do nosso lado, não queremos correr o risco de expor Adelaide.

— Entendo.

Logo Theos teve de se retirar, e eu continuei encarando o teto da tenda até o dia seguinte, quando me permitiram levantar. Demoraria até eu ficar inteiro. Teria cicatrizes para contar o resto da vida. Mas podia ir até Elde, pelo menos. Ela andava pelos destroços de seu antigo quarto, quando ainda era uma princesa. O céu estava nublado e triste, apesar de as ruas estarem felizes. Ali pelos destroços, entretanto, havia apenas soldados carregando carroças com pedaços de tijolos e mobílias. Eram os fragmentos do que havia restado de lembranças da família Laris. Ela já me esperava.

ELDEOnde as histórias ganham vida. Descobre agora