Capítulo 2: Eu Sou Um Traidor

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  • Dedicado a Elde Bueno
                                    

Capítulo 2: Eu Sou Um Traidor

— EEEEEEEEEEEEEEEEEEEELDEEEEEEEE!

Havia eu voltado para o local do casamento. Assim que a cidade tinha sido posta em chamas, corri de volta atrás de Elde. Entretanto, parecia que eu havia chegado tarde.

— EEEEEEEEEEEEEEEEEELDEEEEEEEEEEEEEE! — eu insistia, mas ninguém respondia. Sentia-me no inferno; o silêncio, os gemidos agonizantes de um ou de outro que logo desfalecia; tudo refletia vermelho e amarelo.

Continuei andando entre as cabanas e tendas destruídas, até que avistei uma pessoa sentada, com algo no colo. Estava de costas para mim, por isso só pude identificar os longos cabelos castanhos, emaranhados e sebosos.

— Estranho?! É você? — os ombros dele tremiam. Algo parecia estar errado. Comecei a me aproximar quando vi. O que antes era um rei, agora era metade de um cadáver, com a parte de cima do corpo inexistente. Apenas sangue, pedaços de órgãos dilacerados e ossos partidos com a mordida. Estranho acariciava, chorando, o nada onde devia estar o rosto do rei. Senti que ia vomitar.

— Por que você fez isso? — ele começou, entre lágrimas.

— Eu? Eu não fiz nada!

Num instante, em pura cólera, Estranho estava com o rosto colado ao meu, me segurando pela gola de minhas túnicas.

— VOCÊ E A PRINCESA...! — e me empurrou com uma força que eu não sabia que ele poderia ter. Caí na areia com o peso sobre a perna. Senti um estalo.

— Você encontrou a princesa Elde? O que ela disse?

— NÃO, NÃO A ENCONTREI — ele me olhava por cima, enquanto eu tentava me apoiar no chão com os braços.  — Estava para lhe fazer essa pergunta, SEU BARDO DESGRAÇADO!

As chamas na mesa ao meu lado mudaram para a minha direção de repente. O vento passou a vir do mar para a terra. Estranho era esquisito, mas nunca intimidador, e agora ele era. Aparentemente, ele leu a dúvida em meus olhos, porque disse:

— Todo bobo da corte precisa dos seus truques para entreter seu rei, NÃO É MESMO? Essa é a arte — Ele andava lentamente, e eu tinha torcido minha perna, não conseguia me afastar do fogo. O calor só aumentava. — Então me diz, bardo, qual foi O SEU TRUQUE para conquistar a princesa? — chutou areia no meu rosto.

— Eu não sei do que você está falando, Estranho! — tentei mentir. — Estou aqui pela mesma razão que você! Onde está a princesa?

— PROVAVELMENTE NO PONTO DE FUGA QUE VOCÊS MARCARAM, seu traidor de merda! — e continuou chutando mais e mais areia, enquanto eu me deslocava lentamente. O fogo continuava queimando em minha direção.

— Como você sabe? — assumi.

— EU SENTI SEU CHEIRO POR TODA PARTE NA TENDA DELA, NAS COISAS DELA! ATÉ NA ESCOVA DA PRINCESA TINHA SEU CHEIRO! — urrou. — VOCÊ É UM COVARDE, POR QUE NÃO A ESPEROU? — o fogo avançou de repente, alcançando minha perna deslocada. Urrei de dor.  Não conseguia mais pensar direito.

— EU ESPEREI, MAS ELA NÃO APARECEU. EU NÃO PODIA FICAR PARADO! ACHEI QUE ELA TIVESSE VOLTADO PARA CÁ! — as chamas haviam acabado de puir o tecido e agora lambiam minha pele e minha carne.  — FAÇA ISSO PARAAAAAAAR!

Você é um traidor — Estranho disse, dessa vez com calma. Havia algo em assistir minha perna esquerda em chamas que o acalmara. Contemplava-a como um piromaníaco. — Traidores merecem queimar.

Eu mal podia falar, mas tirei forças do absoluto nada para tecer argumentos em minha defesa, enquanto minha perna se desintegrava.

— É, EU SOU UM TRAIDOR. EU SOU UM TRAIDOOOOOOR! MAS TALVEZ ISSO TENHA A SALVADO. SE ELA NÃO ESTÁ AQUI, ELA PODE ESTAR VIVA PELA CIDADE!

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