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Nas entrelinhas da tua voz sigo acompanhando o discurso, a narrativa, a palavra que ressoa e retumba, o ato que se entrega para interpretação ambígua, morna. Interpreto cada sentido na meia-noite, cada zumbido no meio-dia, cada sussurro escuso na tarde em metade. Cada saliva que a língua empurra abaixo, cada mordida no próprio lábio quando me levanto e alcanço tua pele. Tento manifestar meu melhor quando teu olhar recebe claramente aquilo que sou, aquilo que melhoro e sou, aquilo que digo e soo. Minha interpretação elucida o momento que entrei no labirinto sem querer sair, sem realizar qualquer esforço para deixar de estar entre o pensar, o agir, o falar e o calar dos teus mornos dizeres.

Nos momentos que consigo diluir possíveis devaneios, movimentos irregulares e bruscos do que se passa dentro de mim, busco clarear cada momento que vivo e ouço contigo, e reflito depois, comigo.

O que esta plácida vizinhança me traz, quando deixo meu pequeno e alugado lar e deslizo ou pairo sobre cada respiração, é chuva ligeira que invade a janela deste pensar.

Ambígua língua e boca tua, morde e suga, molha, engole e machuca cada dobra, cada parte, por puro saborear. A natureza borrifou em ti tanta lucidez que os poemas querem te tocar e os repele incessantemente. O que resta, ácida confiança na paz quando deixo um aceno remendado ao que é fundamental para nós, a individualidade. Labirinto que se torna o conviver do pensar e o que nos cobre, lá fora.

É o que escrevo para ti, Tricia, que sedada não pôde me perceber. Sua necessidade de solidão a trouxe aqui? Minhas negativas a trouxeram aqui? A falta de algum remédio te trouxe? Deixarei esse recado e caminharei pelos corredores. Espero que esse teu olhar preso ao teto volte a mirar minha voz, os detalhes de minha quase velhice. Que a camisa de força não te dilacere a vontade de me abraçar. Vontade que abrasa meus sentidos. Aquece muito e não me destrói. Olhando agora pelos corredores, vejo a falta de tudo que deixa essas pessoas em um quase cárcere, percebo o tossir dos tempos, levando a natureza e suas premonições, tamanhas formas, voltadas tão puras aos turvos trilhos, da vida e suas dúvidas. Vinda da terra, surgida da fenda de um bom dia cinza, crie uma tenda, no ar uma emenda tal qual um sorriso, abrigo de todos os filhos do poema. 

É o que penso de ti, querida Tricia, sofre aqui por ser tu, filha deste pesar pós-caos. Um poema magistral, soberbo. Compreendo melhor hoje que a peregrina que é não terá fim. Tua vontade de ir noutros lugares. Ainda que o ponto crucial de uma frase minha argumente o bem comum e a ilusão. Não terá fim tua vontade, ajude-se, peregrina encarcerada. Essas são minhas maltrapilhas dúvidas. Nos poemas que leio sobre filhos mercantilizados, de algo então escravos ou escravizados, tão bem alienados pelos governantes... Se for verdade que muitos doentes aqui são vendidos, Tricia, tão cara a mim nesse despenhadeiro que tornou tudo... Matarei por tua respiração livre. E é tão confuso o tema, que não teima a loucura em abraçar-me também. Que os ditos médicos daqui não ouçam meus pensamentos. Não saibam de meus vícios. E os rudes a querer entorná-la no rio que não conhecem e temem... Uma loucura para muitos por vezes é o fato de não compreenderem a pessoa em seu íntimo. Não tem fim este rio que me contém e nele estou contido, arte que desemboca n'alma, meu apreço por ti, querida Tricia.

Saindo do hospital psiquiátrico, vejo o Dr. Bethlem, que deve estar contente com seus lucros. Quando olho novamente um homem se virando, chapéu marrom escuro, estilo inglês. Ele parece ter sido avisado de quem passava logo atrás dele. Eu que passava, noto com frio na espinha o calafrio do olhar, o esboço de sorriso trazido do mofo de uma vida. A barba feita apressadamente na cinza manhã deixou um machucado leve. Parei. Cumprimentado fui pela luva a segurar o chapéu, um dos homens temidos da região a me fitar firmemente. O Insone, o chantagista. Alvo de minha perseguição burocrática. Senti falta do rum na garganta. Um nevoeiro charmosamente encobriu-nos a visão. 

Fragmentos de SantinoWhere stories live. Discover now