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Sonhei que valsava. Perambulava discursos na língua e meus dizeres; repicava meus sapatos no asfalto sozinho, a valsar com as saudades muitas que vivi.

Sonhei tão risonho que afagaria a noite por mais sonhos assim; sem largo e tedioso abraço dos mortos, valsava ao som dos violinos vindos das janelas da vizinhança; o valsar era a esperança rechaçada outrora?; era o timbre do hospício futuro a chamuscar meu viver burocrático?

Valsar sozinho nas madrugadas de meus sonhos é acordar para a verdade: a valsa me faria mais feliz e menos cartorário. Será que toda arte transmutada de loucura satisfaria os que trabalham com tantos papéis, com tantos carimbos e alguns pergaminhos? Alcançar a paz imperfeita adquirindo coisas é o lema de alguns. O meu já foi esse. Hoje é nenhum. Minha meta? Deixemos pra lá. O que importa é satisfazer a sociedade, unir a equipe e soldar algumas portas nas horas vagas. E salgar algumas coxas de vez em quando.

E o tal ato jurídico perfeito está diante de mim: Srta. Westmacott. Com tantos nomes diferentes que cercam alguns papéis que guardo comigo, este soa especial. Nas fichas de assinaturas que são arquivadas em nossos gaveteiros, até a forma como ela ataca o papel ao assinar já foi motivo de juras minhas. Hoje, só me assombro ao vê-la. Não respiro seu balbuciar de poucas palavras quando deixo o trabalho. 

Expliquemos: eu bebo, às vezes para encarar a realidade, outras é o gosto carregado de anos; trabalho em cartório, fui estafeta no início, como os cães de antigamente, agora já tenho patamar que alguns querem e outros não; algumas noites passadas vi uma cena estranha na Rua da Cruz Cinza, após seguir uma mulher estranhada com o mundo que tenho como natural; depois do fato passei a tentar escrever sobre isso e outros temas, e tão logo termine algumas folhas, enviarei para um amigo publicar em algum compêndio. Não faço parte de nenhuma seita, não uso os poucos tóxicos que ainda resistem no mercado negro, após essa tentativa de revolução da natureza. Não tenho família, meus amigos estão arquivados em pastas pretas do trabalho e em retratos de nanquim, que guardo em casa.

Acho que o melhor é falar dela por agora... Srta Westmacott? Onde ela foi? Talvez seja melhor aproveitar o nevoeiro do momento e sair no encalço da mulher que puxa homens como se fossem crianças... Compêndio é a palavra certa para o que quero dizer? Onde está meu rum? Onde está a nova funcionária? É hora de sair daqui, o nevoeiro já vem.

A saia que ela vestia me lembrou daque usava quando de nosso primeiro ato. Satisfez todos os requisitos formais.Plenitude de efeitos, uma transa completa. Protegi do frio, enquanto elaabaixava para tirar os sapatos franceses. Depois daquele momento ela adquiriuem sentido amplo, meu ser, como seu libertino, para as horas que ela quisesse. 

Por isso ainda chamo a Srta Westmacott de meu ato jurídico perfeito. Nas escadasde incêndio de alguns prédios desta quadra, em salas e cubículos, nos tempos depaz e de luz natural, nos compreendemos sem palavras ou conversas, assinaturas,carimbos ou horário de entrada e saída. Apenas a junção de vontades. Agora, eu,caminhando novamente para Rua da Cruz Cinza. Aquela será a estranha donevoeiro? Onde está meu conhaque? Um rumor assobia em meu íntimo, é poema derimas brancas esse perfume. 

Fragmentos de SantinoWhere stories live. Discover now