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Mathieu d'Provence é um homem que se aproveitou das catástrofes para fazer dinheiro e poder com o que tem mais talento: juntar provas contra pessoas jurídicas e físicas, depois chantagear. Ele é conhecido como "Insone". Dizem que assina ainda com outro apelido, o fato que ele é uma mistura: Astúcia e luxúria. Teve problemas de saúde quando ao redor do mundo, tudo desmoronava em perdas naturais para suprir as necessidades ilimitadas dos bilhões de habitantes. 

Não dormia mais. Uma vez, encontrei-o por acaso, conversando com três pessoas no bosque que restou da antiga floresta vermelha, bem atrás da Praça do Lord B. Era noite e eu estava acompanhado de uma estudante da Universidade Central. Ouvi as vozes e parei de andar. Ouvi uma pergunta direcionada a Insone e, após uma pausa, uma respiração mais profunda, ouvi que ele colhe o que a sociedade planta. Que ele apenas colhe aquilo que ele tem boa jornada ao fazer. Leon Chivalry, por sua vez, já foi um cliente muito bom, tanto do cartório que trabalho quanto de outro Notário desta cidade. Abastado, inteligente e cortês. Em um momento de loucura, matou um proeminente homem, fabricante de remédios novos para a população ressentida da falta de tudo que os envolvia numa massa única sem conhecimento dos problemas sociais e sem consciência dos seus direitos. 

Leon fez isso dentro do Labirinto Invernal, em um duelo de lâminas, segundo dizem. Chanson Triste eu não conheço. Nome feminino francês. As assinaturas desses três foram reconhecidas aqui onde trabalho. Um contrato. Insone (Mathieu) e Leon tem cartão de assinatura aqui. Antigos por sinal. A assinatura de Leon está levemente tremida, sem a dinâmica característica no início e no final. Um caractere importante não está em parte da assinatura. Possível fraude mesmo. A assistente ouviu tudo atentamente, ela é grafotécnica, assim como eu, inexperiente em casos graves, talvez minha experiência em casos assim faça com que dê um salto de qualidade mais a frente. A mulher envolvida, Chanson, não tem cartão de assinatura conosco. Resta saber se tudo foi feito aqui dentro ou se reconheceram assinaturas ditas boas e retiraram depois, em outro lugar, os papéis de segurança, para montar o contrato falso. Essa última informação guardei para mim. 

Não existiria motivo para eu confiar em qualquer pessoa aqui dentro; e se a assistente pensa que essa mão em minha coxa, cada vez mais procurando minha virilha, ausentará ela de minhas suspeitas mínimas, realmente não me conhece. Leon Chivalry não parece um homem preso nos caninos de Insone. Teve sempre a aura do cavalheiro: mulheres, amigos e clientes sempre manifestaram bem sua ideia a respeito de Chivalry, o que não acontece com Insone, obviamente. Chanson é uma incógnita, como algumas canções tristes mesmo. Leon transferindo terras para ela é pior que o labirinto da lâmina de Chivalry. E talvez seja tão mortal quanto.

Insone é o melhor chantagista que já tive notícia, então tudo pode acontecer. Se a fraude foi feita toda aqui, então, passaram para mim, pois, acham que eu não vou conseguir diferenciar assinatura falsa de um copo de tequila. Isso é um ponto positivo, terei tempo e sossego. Se foi reconhecido algo legítimo e depois foi fraudado, alguém aqui de dentro, da alta chefia, passou para mim achando que eu não vou dar contar. Com o histórico de semiembriaguês até eu penso isso de mim mesmo. Realmente estou a caminhar num comboio de rapinas. Hoje em dia, está tão difícil conseguir um pedaço de pão, que dirá emprego remunerado, qualquer pessoa faria qualquer coisa para ter o lugar do outro. E a Igreja voltou a vender perdão aos fiéis. Estamos bem nesse novo mundo, estamos sim...

Lá fora, bem, lá fora belos dias de ventania. Friamente idosos, rudes, a castigar mantos maltrapilhos. Na velhice dos homens chegam nuvens, cores carregadas. Na velhice deste mundo ouve-se formar a tempestade maior plantada outrora. E as notícias são de que sobrou trinta por cento do que havia. O que pensar então? Foi boa a encomenda daqueles governantes?

As várias fúrias emergem, instalam-se acima de nós, rodeiam, interceptam a todos, ainda que refugiados em telhados barrocos. E nos meus dias de cartorário absorvo o teor alcoólico para esquecer o que já vi. Pessoas carregam o mal dentro de si para terem o que nem sempre precisam. Quem sabe neste momento alguém me observe a traquinar contra meu cargo, minha história, contra a viela que irei passar com meu cavalo árabe. Por isso me calo, prefiro o silêncio e me esqueço na taça embriagante. No nervosismo, minha mão fica trêmula e só consigo me reencontrar no turbilhão da tempestade que todos se escondem. 

E febril, volto a querer encontrar a mulher estranha de perfume absurdamente magnífico. Por vezes... Por vezes sigo sem versar, observo valsas sociais dignas de outros versos. Manuseio a alma compulsivo na mistura de visão de mundo e discurso. Esqueço-me de mim no bailar das páginas. Esqueço-me do tempo no cintilar pulsante dos brincos da noite. Antes de sair desta cidade para visitar Tricia, costurarei antigas folhas na pele, percalços novos nas rimas. Sim, talvez faça, talvez recorde temores sobre solidão. Nunca me esquecerei dos poetas, costuradas estarão belas linhas de composição. Na pele, em mim. Belas linhas de composição. Em o mundo, decomposição.

E ocartorário que sou, entregue na lida difícil de buscar provas contra ofarsante. E talvez o próprio me abrace a me desejar boa sorte. E talvez eudescubra para surpresa minha e de todos os outros que trabalham comigo. Etalvez eu só queira sentir a febre dos desejos que tenho por Tricia, a febrecuriosa pelo misterioso caminhar daquela estranha, a febre, a febre, a febre deviver fora dos muros desta cidade. Carregando minhas cantigas preferidas noslábios, um machado novo para minha defesa e uma tocha reluzente para atravessaro descomunal Labirinto Invernal. Palidamente noto meu olhar cansado. Alguém mechama? Não sei. O rum me chama.

Fragmentos de SantinoWhere stories live. Discover now