Não havia sensação pior que a do abraço frio do demônio, que parecia tocá-la mesmo quando estava com as duas mãos dentro dos bolsos da jaqueta jeans.
Ele era como uma presença constante.
O próprio inferno.
Hope Christine Johnson odiava aquilo, mas já́ havia se acostumado com o incomodo. Nada na sua vida era agradável, e ele não seria uma exceção. Vinha lidando com seu demônio pessoal sozinha, sem nenhuma ajuda, há anos. E não era por escolha: mesmo que quisesse qualquer auxílio, ninguém além de Hope via a criatura. Apenas ela. Como uma tortura imposta para fazê-la enlouquecer aos poucos, sem poder pedir socorro.
— Hope Christine Johnson, está ouvindo?!
A voz era de Brooke Simons, sua melhor amiga. Ela a olhava fixamente por baixo dos óculos escuros de gatinho e esperava a resposta para uma pergunta totalmente ignorada por Hope, que ainda acordava aos poucos dos pensamentos.
— Ela nunca escuta nada — reclamou Barth, o garoto de chapéu engraçado sentado ao lado das duas. Era o melhor amigo delas.
— Hope Christine Johnson, você não pode ser esquisita e surda — alertou Brooke. — Há limites até para os perdedores!
O demônio riu às costas de Hope, mas ela não achou graça. Barth, como sempre, colocou um pirulito em forma de coração na boca e conteve um sorriso malicioso. Ele adorava as provocações de Brooke, principalmente quando a garota estava diminuindo alguém. Hope percebeu que aquilo o fazia se sentir melhor.
— Você pode respondê-la — instigou o demônio, em um sussurro. — Brooke não é melhor que você. Por que não mostra isso a ela?
Era irritante que só Hope pudesse vê-lo e ouvi-lo, porque ela queria responder a todas aquelas frases soltas que ele gostava de lançar. Odiava o modo como o demônio a achava manipulável, como se Hope fosse alguma garotinha sem cérebro esperando ordens. O que podia fazer — e o que sempre fazia — era ignorar tudo o que ele dizia mesmo que cada palavra ficasse presa em sua mente pelo resto da semana.
— É hora do show — comentou Brooke. Ela se apoiou nos cotovelos, deitando sobre o gramado recém-cortado da escola, e deixou as longas mechas de seus cabelos azuis caírem ao redor dos seios. Queria chamar atenção.
Hope lançou o olhar para o fim do caminho de tijolos, vendo que a amiga se referia à chegada de um carro em especial, qual ela sempre gostava de observar. Na verdade, todos gostavam de observar. Era o mais perto de uma TV que os adolescentes daquela cidade chegavam. Ninguém de Dethaun realmente tinha dinheiro para aquelas coisas. Os mais abastados gastavam suas mesadas com rádios à pilhas e derivados, assim podiam ouvir música no gramado da escola e fingir que eram mais descolados que todo mundo.
Inclusive, eles faziam aquilo, naquele momento. A alguns metros de Hope, You Make My Dreams Come True soava em um volume não tão alto, mas ainda assim irritante. Principalmente com o demônio às suas costas assoviando no ritmo da guitarra. Johnson não gostava de quando ele ficava muito feliz, não podia ser um bom sinal. Podia?
CITEȘTI
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