36. Fim de linha

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Era véspera de Natal e eu estava sentada no Parque das Nações. Tinha escolhido um local que me dava uma vista privilegiada da ponte Vasco da Gama.

Estava há dois dias na pousada, onde já tinha sido visitada pelo Aleksei. Ele tentou convencer-me a regressar para um bom hotel, mas assegurei-o que me pagava bem o suficiente pelo trabalho que fazia. Consequentemente, se eu assim o quisesse, podia escolher um bom hotel sem problemas. Porém, como ainda estava a pensar qual seria o passo seguinte, queria gastar o dinheiro com cautela.

Depois de tentar convencer-me a mudar para um lugar mais luxuoso, convidou-me para passar o Natal na sua companhia. Ao que parece, a filha ia ficar com ele num hotel no Algarve e ela também não se incomodava por ter mais companhia. Esquivei essa sugestão o mais educadamente possível. Não queria interferir ou ficar no meio da relação entre pai e filha. Era uma época festiva dedicada à família e uma conhecida não encaixava nesse cenário.

Assim restava-me a minha própria companhia, as lembranças e os desejos do passado. Mesmo sabendo que não devia, comecei a perguntar-me como teria sido passar aquele Natal com o Vasco, caso nada daquilo tivesse acontecido. Ele estava tão entusiasmado com a ideia e eu não podia dizer que ficava atrás.

Contudo, tudo aquilo aconteceu e o que poderia ter sido, ficou suspenso e jamais poderia existir. Portanto, este seria o meu último Natal. Tinha decidido nessa manhã, após saber pelo Paulo, o segurança do hotel onde tinha estado anteriormente, que também o Capela estava a desfrutar do seu tempo na cadeia. Ser acusado e condenado por abusos sexuais tornou-o um alvo dentro da prisão sem que fosse preciso eu fazer nada. E a prova de que a estadia estava a ser tão boa, era que já tinha tentado matar-se meia dúzia de vezes.

O Tiago andava desaparecido depois daquela noite em que aprendeu às suas custas que estragar a minha vida tinha sido um erro.

Quanto ao Vasco? Depois do seu noivado arruinado, sentia como se a verdadeira prejudicada fosse a Elsa. Não que eu tivesse pena…

No entanto, os meus sentimentos por ele que não se desgastaram ou perderam impediam-me sequer de imaginar alguma vingança. Assim, ele seria o único a escapar da minha vontade de pagar na mesma moeda. Ainda que em parte, não tivesse tanta culpa como os amigos.

Olhei para o meu telemóvel. Eram quase oito da noite. Tinha passado horas diante daquela paisagem, convencendo-me de que não havia mesmo mais nada que justificasse a minha presença entre os vivos. O meu corpo também já parecia habituado à temperatura gélida que eu intencionava espalhar por todo o corpo de forma permanente, assim que acabasse com tudo.

Talvez o meu único arrependimento fosse não poder visitar a sepultura daquele que foi apenas um conhecido na escola de Lagos. Aquele que morreu provavelmente com os mesmos pensamentos que tinha agora em mente.

- Enfim, não se pode ter tudo… - Levantei-me, decidida a voltar à pensão e acabar com tudo de uma só vez. Pensara em deixar pelo menos passar o Natal, mas até disso já tinha desistido. Não queria continuar a respirar o ar das últimas horas da véspera de Natal. Não valia a pena adiar o inevitável.

Levei a mão aos bolsos e ao percorrer o Parque das Nações, agora deserto, ouvi passos. Optei por ignorar já que pensei que seria alguém a caminho de casa ou então mais algum solitário. No entanto, a voz dele fez com que parasse.

- Encontrei-te…

Era o Vasco. Os seus olhos não traziam somente a desilusão ou raiva. Havia neles uma intensidade de emoções negativas que nunca antes vi na minha direção. Isso fez com que juntasse as peças rapidamente, sobretudo quando vi Tiago aparecer atrás dele. O rosto dele coberto com escoriações, só permitia que imaginasse como estaria o resto do corpo.

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