2. Os olhos que viram os meus | Voz com sabor a pecado

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 Como odiava o cheiro do cigarro e graças àquela ideia infeliz de festejar o meu aniversário com as minhas colegas, agora estava num lugar infestado por aquele aroma que devia estar a prender-se a cada fio do meu cabelo e a cada milímetro daquelas roupas emprestadas. Aquele bar chamado “Sweet Sin” (Doce Pecado) localizava-se na parte baixa daquela cidade plantada perto do mar. As ruas naquele lugar tinham a fama de nunca dormir e aquele era apenas um dos muitos bares abertos. O interior daquele espaço era mal iluminado, o fumo do cigarro impedia que víssemos com clareza a decoração ou mesmo o rosto de outras pessoas. Pese esses factos, o local estava cheio. Depois de nos sentarmos, pude ver que havia um pequeno palco com uma bateria, um órgão e uma guitarra. Sandra apressou-se a explicar que tínhamos ido ali exatamente por causa daquele palco, mais precisamente devido à atuação que iria dar lugar quando fossem onze da noite. O nome da banda era “Broken Utopia” e ainda que tivesse um nome curioso, aquilo que levara as minhas colegas até ali era a boa aparência dos constituintes da banda. Eram três rapazes que se apresentavam naquele local e em outros bares e até nas ruas há mais de dois anos. Segundo me contaram, eram bem populares e até poderiam ser famosos a sério se alguém reparasse no seu talento. Porém, a conversa girava sobretudo em torno da aparência dos rapazes, o que me fez automaticamente rezar para desligar o meu dispositivo de falsas esperanças. Mesmo que quisesse mudar, não seria num bar mal iluminado que alguém de uma banda famosa na cidade iria reparar em mim. Faria de tudo para não reparar na beleza deles para depois não ficar dias a fio a pensar em algo que nunca poderia ter.

- O que vai ser meninas? – Perguntou Sandra, levantando-se. – Uma cervejinha para cada uma?

- Ah… - Balbuciei, sendo interrompida por Kiara.

- Um shot para mim chega.

- Para mim pode ser cerveja. – Falou Júlia, olhando para mim. – E tu que bebes?

Sentia o cheiro enjoativo da cerveja no ar, misturado com outras bebidas e o cigarro, por isso queria evitar ter algum acesso de vómito. Optei por pedir um shot porque embora nunca tivesse bebido nenhum, na mesa mais próxima, uma rapariga bebia um com algumas amigas e o copo era francamente pequeno. Preferia começar com algo pequeno.

As palavras não podiam descrever como estava completamente deslocada daquele sítio. A frase “um peixe fora de água” aplicava-se perfeitamente a mim naquele momento. De cinco em cinco segundos recriminava-me por ter concordado em ir festejar o meu aniversário ali. O que faríamos sentadas naquele lugar o resto da noite? Conversar? Eu era péssima em conversas! Dançar naquele espaço minúsculo? De saltos e com a minha falta de jeito seria um passo pequeno para ir parar em algum website como o Youtube e ter a minha vergonha espalhada pelo mundo. Se a opção fosse admirar os rapazes da banda, iria começar a divagar sobre coisas que nunca aconteceriam e depois iria ficar deprimida por semanas. Maldita hora em que concordei com tudo aquilo.

- Já fiz o pedido das bebidas e pelo caminho, vi que perto do balcão estão lá os jeitosos da banda sentados com umas tipinhas a fazer-se a eles. – Comentou Sandra, sentando-se na pequena mesa connosco.

- Onde? Não vejo a ponta de um corno aqui com este fumo. – Falou Kiara, tentando localizar a banda.

- Ali! – Disse Júlia entusiasmada.

Fiz de conta que olhei, mas tentei não fazer o menor esforço para vê-los. Tentava focar os meus pensamentos em como não demonstrar o quão desinteressante eu era. Não foi preciso muito tempo para que me sentisse à parte da conversa animada que as minhas colegas tinham e em que eu limitava-me a sorrir e a concordar com algumas coisas. Quando as bebidas chegaram, não quis dar o braço a torcer e imitei o gesto de Kiara que bebeu o shot apenas de uma vez. Toda a minha garganta queimou com esse gesto e esforcei-me por disfarçar o meu desagrado para com as bebidas alcoólicas. Cada vez me sentia mais diferente das outras raparigas do bar em que tudo aquilo parecia ser tão natural para elas. Porque não podia sequer apreciar a bebida? Teria que continuar a fingir o resto da noite. Passar o meu aniversário dessa forma, era no mínimo deprimente. A conversa das minhas colegas distanciava-se cada vez mais e a minha mente procurava universos alternativos para não notar como mais uma vez iria falhar em mudar alguma coisa em mim.

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