18. Envenenada

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Depois de passar a noite e também grande parte do dia seguinte na companhia do Vasco regressei a casa, onde me aguardava um pai preocupado e consternado ao ver a marca das unhas da minha mãe na minha bochecha. Essas que teria que exibir nos próximos dias até que desaparecessem, mas estranhamente nada disso parecia preocupar-me. O meu pai contou que o processo de divórcio estava a decorrer, porém havia algo com o qual jamais concordaria e isso seria a entrega da guarda à minha mãe.

Era quase ridículo que aos dezasseis anos e capaz de ter uma opinião própria, tivesse que esperar por uma decisão de alguém cuja cara até desconhecia. Sabia que a menos que o juiz bebesse ácido, não havia forma de forçar-me a ir viver com a minha mãe. Aliás, sentia-me com forças suficientes para recusar-me e até desaparecer da vista de todos, caso tentassem obrigar-me.

- Algum problema, filha? Não tens fome? – Perguntou, depois de ter passado parte do jantar em silêncio a remexer no arroz e nos pedaços de carne com o meu garfo.

- Porque fazes questão de que vá a psicóloga da escola?

Com um ar derrotado, ombros descaídos e postura culpada, respondeu:

- Acho que não sou capaz de te ajudar o suficiente sozinho. Se calhar, precisas de conversar com outra pessoa.

- Se calhar, preciso que me perguntem se quero ou não fazer as coisas antes de decidirem isso por mim. – Retruquei e levantei-me.

- Katya espera. – Pediu naquele mesmo tom desanimado. – Não quis que ficasses assim, mas pensei que estava a fazer a coisa certa.

Tirei o meu prato da mesa e fui até ao frigorífico de onde retirei dois iogurtes de morango. Em seguida e sem dizer mais uma palavra, entrei no meu quarto que entretanto já tinha arrumado dado que a minha querida mãe fez o favor de espalhar as minhas roupas sobre a cama.

Sentei-me à frente do computador, cliquei no ícone do Google Chrome e várias abas se abriram. O meu email estava vazio e isso nunca era uma surpresa. Outras abas eram notícias gerais, outras sobre jogos e uma delas era o Youtube, onde digitei o nome da banda Goo Goo Dolls, seguida do nome da música “Iris” – a que o Vasco me tinha cantado quando estive na casa dele. Adicionei-a aos favoritos e com aquela letra a soar pelo meu quarto, encostei-me à cadeira com os pés sobre esta e comecei a comer os iogurtes.

No dia seguinte, teria que enfrentar mais um dia de aulas. Com aqueles arranhões no meu rosto teria que suportar comentários ou olhares. Precisava afastar as atenções e nada como atualizar novamente as dezenas de páginas com vídeos e fotografias vergonhosas. As que tinha armazenado cuidadosamente naquele fim-de-semana que estava a render muito mais do que pensei.

Além disso, comigo ainda tinha a minha arma secreta. A pen drive que usaria na escola e que seria o ideal para a distração do dia. Enquanto me deliciava a imaginar a reação de todos, o meu telemóvel tocou. Tão depressa quanto possível, levantei-me da cadeira e fui até ao pequeno aparelho. Era uma chamada e naquele momento, só o nome do Vasco passava na minha cabeça e por isso, surpreendi-me ao ver o nome de Kiara no ecrã. Optei por não ignorar a chamada e atendi com intenções de ter uma conversa curta. Estava demasiado satisfeita com os pensamentos para o dia seguinte, para perder tempo a irritar-me com coisas pequenas como os discursos de Kiara sobre o que devia ou não estar a fazer com a minha vida.

- Katya estás bem? Fiquei preocupada por teres faltado hoje às aulas.

- Estou bem. Tive uns problemas em casa e não me apeteceu ir às aulas hoje, mas amanhã já devo aparecer. – Respondi, baixando o volume da música que se fazia ouvir pelas paredes do meu quarto.

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