28. Apartados

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Consegui chegar a casa sem ceder perante a tentação de parar no meio de uma estrada qualquer e deixar que me passassem por cima. Nunca a palavra “suicídio” fez tanto sentido. A minha cabeça estava repleta de ideias para uma morte rápida e com o mínimo de dor possível.

Com a mochila às costas, coxeei até à minha casa depois de ter sido deixada no centro da cidade. Podia ter tentado apanhar um táxi, mas não queria que me vissem naquele estado. As minhas roupas rasgadas e ensanguentadas não causariam uma boa impressão e quem sabe, os taxistas nem quisessem deixar-me entrar dentro do carro. Para evitar uma situação dessas, andei com passos lentos e dolorosos até casa. Apesar disso, não verti uma só lágrima. Sentia como se essas tivessem secado. Como se as tivesse gastado em todas as vezes que implorei ao Capela que me largasse.

Pese todo o nojo que ainda sentia, não existia em mim qualquer vontade de chorar ou mesmo gritar com alguém. Era estranho, mas parecia que estava dormente por dentro. Sabia que era inútil entrar numa espiral de choro e depressão porque não alteraria absolutamente nada do que tinha acontecido. Penso que racionalizar e convencer-me a mim própria de que era inútil despedaçar-me, era a única forma de manter-me pé. Foi a única forma que encontrei para ter forças para chegar a casa.

Assim que abri a porta de casa foi um alívio confirmar que não estava ninguém em casa. Provavelmente, o meu pai continuava sem saber da presença da minha mãe na escola que tinha sido exigir que fosse com ela para Lisboa. Ignorando isso, ele poderia muito bem continuar com o seu ritual de ir encontrar-se com a namorada e deixar-me sozinha em casa. Pelo menos isso fez com que não tivesse problemas em esconder o que tinha acontecido.

Tirei os farrapos que ainda adornavam o meu corpo e juntei-os numa saca para deitar fora. Em seguida, entrei na casa de banho onde passei tanto tempo que a minha pele começou a mostrar sinais claros de que estava há demasiado tempo na água.  Perdi a conta das vezes que esfreguei os meus cabelos, os meus braços, as minhas pernas… todo o meu corpo estava marcado com tonalidades avermelhadas. Fosse o sangue dos cortes ou de tanto ter esfregado diversas partes dele. Por fim, quando saí, fiz o melhor que pude com curativos.

Vesti um pijama quente e sentei-me no meio da minha cama. Levei os joelhos até ao meu queixo, pensando no que deveria fazer agora que estava em casa.

No dia seguinte viria mais um dia de aulas. Os mesmos rostos, a mesma rotina.

Sinceramente, não achava que pudesse suportar isso. Aliás, a forma como tinha sido tratada pelo Capela e até pelo Tiago demonstrava bem que não me queriam por perto. O que tinha acontecido servia também como aviso para sair da cidade.

Na verdade, também não queria ficar ali. Não depois do que tinha acontecido. Nunca imaginei que o Vasco tivesse rodeado desse tipo de pessoas. Amava-o, mas sem dúvida que isso não era o suficiente para passar por algo assim outra vez. Com certeza, os amigos nem lhe contariam a verdade ou desmentiriam tudo. Ele podia facilmente desconfiar do Capela, mas o Tiago era outra história.

Tudo o que tinha acontecido era um aviso claro para desaparecer e caso não o fizesse, tenho a certeza de que aquele a quem chamei de amigo trataria de provar até onde estava disposto a ir.

Ficar com o Vasco deixou de ser uma certeza ou até mesmo uma hipótese. Faria de tudo para esquecer e o primeiro passo era ir para bem longe. Repentinamente, a ideia de ir para a Rússia não me parecia tão má, mas não queria ter que olhar para a tal Natália todos os dias. Como desejei que ela não existisse e que o meu pai não tivesse mudado a ponto de achar perfeitamente natural que eu ficasse sozinha em casa horas e dias a fio.

Contudo ir para Lisboa também não era bom. Continuaria perto e sabendo que podia cruzar-me com ele ou com os amigos a qualquer hora não era de todo uma boa ideia. A isso acrescia a realidade de ter que viver com a minha mãe. Aquela de quem ultimamente andava a fugir a sete pés. Porém, até onde sabia, ela continuava solteira e a julgar pela sua personalidade exigente isso não se alteraria tão cedo. Se fosse viver com ela, não precisaria de aturar uma tipa que tinha idade para ser minha irmã.

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