Repassos

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Acordo já atrasada, não posso chegar em cima da hora logo no meu segundo dia de trabalho. Observo Lucca dormir por alguns instantes e já saio de casa, não paro nem pra tomar café da manhã. A árvore que nós montamos ontem ficou no meio da sala, Jenna pendurou algumas roupinhas do meu sobrinho na janela da varanda, ela quer agradecer a sogra de algum jeito. 

Chego na agência ansiosa, levo alguns papéis e canetas para abastecer a minha mesa. Sento na cadeira que parece ter custado uma fortuna e percebo que há minha bebida favorita do lado do computador. Agradeço a Black mentalmente e começo a devorar o chocochip. "Eu sabia que você iria gostar" ouço a voz de Philip, ele senta a minha frente, em sua mesa "Você envenenou por acaso?" "Você não era tão ríspida assim S, o que aconteceu? Lucca não tá sendo legal com você?" "Tem como você esquece-lo um pouco? Só por um momento? Por que não pensa na Pam?" "Naquela louca? Não, obrigado" 

"Já estão brigando? Bom dia pra vocês também" Matt nos cumprimenta, Black desce as escadas do terceiro andar logo atrás. "Bom dia B" Philip diz sorrindo "Bom dia" eu sorrio também, de longe até parecemos dois companheiros de trabalho. "S, pronta pra subir?" "Sempre" digo já levantando, mas me desanimo quando lembro do favor que terei que pedir a P. 

"Philip, você pode subir também?" "Você pedindo eu até vou" ele levanta com um sorriso folgado no rosto, eu reviro meus olhos automaticamente. A mesa de Black não muda em quase nada em relação a nossa, seu porta retrato é uma foto dela e de Martín, me sinto tentada a tirar uma foto daquela cena, Lucca passaria dias observando, com certeza daríamos risada por muito tempo. Mas me seguro e consigo fingir seriedade. 

Sentamos de frente á Glorí no computador de Black, e minha advogada. Encaro os olhos verdes "Philip, preciso de um favor seu" "Vou ter que pedir recompensa depois" "NÃO VAI DAR. Eu disse Black, ele não sabe falar sério. Pode ir embora Philip" Black ri, e eu a olho perplexa. Não sei onde consegue achar graça nele, não sei como eu o achava charmoso. "Ele vai cooperar, não vai?" ela diz como se implorasse a atenção dele. "Vou. Pode falar Sereny" penso em perder a paciência novamente, mas eu preciso dele. 

"Tem como você prestar depoimento no meu caso?" eu peço, dizendo lentamente e baixo "O quê?" "Você entendeu, para de ser abusado, por favor" eu digo, rindo de nervoso. Ele me encara, sério. Seus olhos poderiam me dilacerar agora, ele abaixa a cabeça e faz que sim, eu o chamei de abusado e mal percebi. Black pigarreia e tentamos deixar o drama de lado. 

"Philip, precisarei que você foque que a cena do crime era de um assassinato, sem roubos e a rapidez que durou tudo. O tempo que você ouviu os tiros, até os detalhes dos corpos" levo um golpe, ainda dói ouvir sobre a morte dos meus pais como uma mera cena de crime. Ele me observa, respondendo Black enquanto me encara, ele sabe assim como eu como é delicado. 

"Serena, agora é com você" Glorí se dirige a mim "Para o caso dos Wallen levaremos todas as provas que eu tenho, mudaremos nosso foco para Catherine e Márc. Eu serei uma das testemunhas, além de mostrar todas as fotos e material que tenho da relação da mulher do ex-prefeito e de Márc, serei testemunha do desespero de Manning para saber de Catherine. Assim como você tem que citar quando ele a visitou em casa, o medo dele, a perseguição que estava ocorrendo" absorvo cada palavra da detetive, e a ouço com atenção "Além disso contarei a história da vida do meu pai, o juri ama um drama. O histórico de Márc será levado em conta, seu problema com o envolvimento passado com gangues na cidade, e a rivalidade que sempre teve com todos os atuais prefeitos" ela faz uma pausa

"Agora, para o caso Manning, queremos mostrar que são os mesmos suspeitos. Conseguimos falar com um enfermeiro que atendeu Catherine quando ela passou mal no tribunal, temos gravação também. Tudo aponta que foi apenas uma desculpa para sair ilesa da explosão que acabaria de acontecer" fico perplexa ouvindo Glorí "Ela é pior do que eu imaginei" olho para Philip, que encara Glorí. 

Ele chega perto do meu ouvido "Quem é ela?" minha pele se arrepia, olho pra ele, sabendo que não foi de propósito, chego perto de seu ouvido "Depois te conto".

"Bom S, o que você tem que entender é. Confiança é bom sempre, mas Catherine foi ruim o suficiente para ser julgada em dois casos, ela pode ser ruim o bastante para ser farsante no depoimento, e nós já sabemos que ela será. Portanto precisamos de todas as provas possíveis. O que você acha?" "Eu acho que eu não poderia ter deixado meu caso nas mãos de mais ninguém. Muito obrigada" 

"Isso foi mais rápido do que eu pensei, mais pra frente faremos um ensaio dos depoimentos" Black nos impulsiona e nos libera, "Até mais Glorí" Philip se despede, ela tem nossa idade, não seria de se espantar que ele a paquerasse.

Sentamos na nossa mesa e percebo que a foto do porta retrato de P, é uma foto nossa. UMA FOTO NOSSA. "Que merda é essa?" pergunto, surpresa, ele engasga com o ar "Desculpa, eu não tinha nenhuma outra pra colocar" "Tudo bem" não consigo me descontrolar, fico assustada, petrificada, encaro meu computador sem piscar. O ar da agência ficou denso, mas pelo jeito foi apenas para mim. 

Não percebo que o tempo passa, saio correndo do trabalho, percebo que esqueço minha jaqueta lá, mas sei que estará no mesmo lugar quando eu voltar das "férias" de um dia que Black nos presenteou com seu espírito natalino. O trânsito fica infernal e quase me esqueço que moro em uma cidade calmamente praiana.

Chego em casa e percebo que Jenna deu um toque decorativo nela. Há uma rena enorme no pé da porta, me seguro para não joga-la fora e dizer que roubaram, mas é o seu primeiro natal conosco, sei que ela está animada. 

Abro a porta e o cheiro de comida que invade o recinto me abraça e meu estômago me lembra que não como nada há algumas horas. Cumprimento meu namorado, meus melhores amigos e finalmente conheço a tão exagerada mãe de Jake. Ela veste um vestido verde curtíssimo, que revela seu corpo desenhado de 40 e poucos anos. Ela tem os traços latinos que Jake herdara, e seu pai é quieto, observando a esposa cozinha um enorme frango. Sorrio ao ver a cena, se essa casa falasse, ela escreveria um livro. 

"Vou me trocar" aviso Lucca no pé de seu ouvido. Ele faz que sim com a cabeça, animado. Escolho um vestido preto antigo, estou em casa e cansada do trabalho. Ouço a campainha tocar, repasso maquiagem por que sei que minha sogra acabara de chegar. 

Mas Lucca não gritaria com sua mãe. 

Apareço na sala e vejo Philip com minha jaqueta pendurada em seu ombro, com as mãos pra cima e ouvindo os gritos de Lucca. P me vê e joga a jaqueta por cima da cabeça de L, ele pisca pra mim e deixa meu namorado falando sozinho. 

A porta quase quebra com a raiva de Lucca. 

Talvez o natal seja menos tranquilo do que eu achei que seria.  

FinalmenteWhere stories live. Discover now